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Empresários, políticos, agentes de segurança e justiça agem juntos contra pescadores da Praia de Macapá

“Só queremos viver em paz”. Essa frase, dita por um morador nativo da praia de Macapá, litoral do Piauí, martelou em nossas cabeças por dias. E ela ainda ecoa em nossos ouvidos, como um grito de socorro.

Reportagem: Sarah F. Santos, Luan Matheus Santana e Tânia Martins

Mar, rio, dunas móveis, ventos fortes e uma paisagem que se modifica diversas vezes ao longo do dia, por conta dos fluxos naturais. Esta é a praia do Macapá, em Luís Correia-PI. As mudanças naturais constantes das águas e das areias, devido aos fortes ventos, acabam provocando uma necessidade de adaptação da vila de pescadores tradicionais. É esse movimento que forma  paisagem local, traz beleza e faz do lugar um paraíso ideal para a prática de esportes radicais, como kitesurf e windsurf.  Diante dessas mudanças naturais, as famílias de pescadores se alinham como entes da natureza, que são. O que não há como acostumar-se é com os constantes movimentos de grilagem por terra que tem posto as famílias em risco de vida.

O mais recente deles aconteceu no último dia 15 de maio. Um empresário ligado a família do prefeito de Parnaíba, Mão Santa, estaria fazendo rondas no terreno onde vivem pescadores e pescadoras nativas, acompanhado da polícia militar. “Eles passaram agorinha aqui na frente de casa, pararam e ficaram olhando, e foram na direção do porto. Me deu um nervoso, um trimilique. Escutei um tiro e a zuada da polícia”, afirma uma das moradoras nativas, que preferiu não ser identificada.

As ameaças são constantes. Quando elas não chegam por meio da força e violência, chegam por meio de quem deveria proteger essas famílias. No último dia 20 de maio, uma audiência de conciliação foi realizada em Luís Correia para analisar um outro caso, o do terreno onde vive a família da dona Maria da Paz. São 5 casas, onde moram irmãos, sobrinhos, filhos e o pai dela, de quase 70 anos. Todos nascidos e criados  em Macapá.

Na audiência, o juiz propôs que as famílias comprassem a terra de Cícero em um valor de 800 mil reais, chegando a baixar para 600 mil. A Defensoria Pública local afirma que nada mais pode fazer perante o processo, pois o trâmite já tem 4 anos. Ainda assim, ao fim da audiência a Defensora Ellen Brandão pediu a suspensão do cumprimento da sentença de reintegração de posse até que fosse pensado um programa de habitação ou indenização para as famílias.

Em reportagens anteriores já relatamos a situação da grilagem de terra nesta faixa de praia, que vem contando com servidores da justiça, enfraquecendo ainda mais a população local e sua tentativa de proteger os ciclos e fluxos da natureza. O Juíz, Willmann Izaac Ramos, deu ganho de causa a um senhor chamado Cícero Pereira, que não comprovou posse do terreno. Na verdade, à justiça, o homem apresentou um documento frágil de compra e venda e uma fotografia de cerca. 

Aliás, as cercas têm sido a arma desses grileiros que têm verba o suficiente para por estacas e arame farpadas em um território tradicional. Os terrenos estão cercados, a perder de vista, desde a entrada do Macapá até a Carnaubinha. Elas só aumentam, mesmo sem comprovação de posse. E porque a moradia dos moradores nativos não serve de comprovação?  

No Porto de Areia, fazenda de camarão vale mais que gente

Fazenda de Camarão, em Porto da Areia- Macapá

É às margens do Rio Camurupim e adentrando o mar, pescando ou catando caranguejo, que as famílias forjaram seus modos de vida, o que vem sendo brutalmente ameaçado pelo turismo predatório e suas construções. Na comunidade Porto da Areia, onde moram atualmente cerca de 7 famílias, a construção de uma fazenda de camarão modificou completamente seus modos de vida, destruiu os mangues vermelhos e expulsou caranguejos e mariscos. 

“Com a fazenda de camarão muita coisa foi afetada, por conta dos manguezais que eles cortaram e queimaram. Eu sou catador e entendo tudo de caranguejo. Cortaram o mangue vermelho todinho, esse mangue é que dá alimento pro caranguejo, e o mangue não tem mais. Os produtos que eles colocam na água, atingem o rio. A gente tá vivendo de forma precária”, diz o pescador artesanal Domingos Coutinho, 45 anos, que vive na comunidade desde os anos 1980. 

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Domingos Coutinho, trabalhando na cata do caranguejo

Domingos tem razão em afirmar sua ciência sobre a importância do manguezal, pois são responsáveis por 95% do alimento que pescadores retiram do mar. O mangue é berçário. É lá que peixes, moluscos e crustáceos encontram condições para se reproduzirem. De valor ecológico imensurável, é abrigo da fauna e flora, tanto aquática quanto  terrestre. 

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Domingos é corpo-território do Macapá, por ali sua família criou raízes e se ramificou. Ele conta que tem irmãos que nasceram lá e vivem na comunidade Porto da Areia, à beira do rio, junto a outras 7 famílias, onde se acostumou a uma vida sossegada, que há 20 anos foi perturbada pela ganância de grileiros.

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Muitos moradores locais já desistiram e fugiram por medo de perder suas vidas, mas, Domingos, esperançoso por dias melhores, promete: “quando a gente conquistar nosso direito, todas as famílias que foram embora vão poder ter um cantinho aqui de novo na comunidade”. 

Vivendo com um alvo na testa

Quem não desistiu foi o Senhor Rogério Aguiar, 55 anos, que mesmo agredido com pancadas na cabeça, permanece no local. A agressão se deu porque fez uma porteira para proteger suas plantações de animais. Ao realizar o Boletim de Ocorrência, a polícia achou por bem considerar Rogério culpado. 

Rogério conta, vivendo em um cotidiano perturbador, como é a ação dos capangas “Vira e mexe eles estão aqui. Quando aparecem para destruir ou tocar fogo eu só me tranco dentro de casa”. Seu Rogério lembra:  “Sou morador do Macapá há quase 5 anos. Já fiz minha casinha. Depois que tô aqui apareceu um pessoal botando toco na frente da minha casa, querendo me vender a terra. Dizendo que se eu quisesse morar aqui tinha que comprar o pedaço da rua”.

SSP-PI cria grupo de trabalho para combater a grilagem e aciona o Tribunal de Justiça

Após denúncia da Defensoria Pública da União (DPU), de que havia, no litoral do Piauí, a ação de uma milícia para atuar em casos de grilagem de terras, o Secretário de Segurança do Piauí, Chico Lucas, se comprometeu em forçar um Grupo de Trabalho para investigar o caso. O grupo foi formado e teve sua primeira reunião na semana passada. 

Na última quarta-feira, (29/05) o secretário se reuniu com os juízes auxiliares do Tribunal de Justiça, Dr. Leonardo Brasileiro e Luis Moura, na sede do Tribunal de Justiça. Na pauta da conversa, estava o Grupo de Trabalho, criado pela Secretaria de Segurança, para combater a grilagem de terras. 

Foto: SSP-PI

“Tivemos uma reunião semana passada com várias instituições: SPU, AGU, Polícia Federal, Abin, Defensoria Pública do Estado e ficou encaminhado que iríamos solicitar ao TJ uma audiência. Estamos vindo aqui pedir que TJ encabeça essa iniciativa, já que tem essa legitimidade pra gente discutir a ações judiciais e criminais no âmbito desse grupo interinstitucional”, afirmou o secretário.

Até aqui, a Justiça escolheu um lado: entenda

O juiz Willman Izaac Santos Ramos da Vara Única de Luis Correia, no litoral do Piauí, continua insistindo para que cinco famílias de pescadores, moradores nativos da Praia Macapá, saiam de suas moradias, lugar onde nasceu a maioria deles, em favor de um suposto proprietário do terreno, Cícero, conhecido da população local por possuir um carrinho de vender milho cozido na praia. Na última audiência conduzida pelo juiz (20.05) a proposta do pseudo dono do terreno foi vender a área para as famílias por R$800.000,00. Com tom irônico, o magistrado autorizou Cícero a fazer uma contraproposta e ele falou que venderia por até R$600.000.

O fato de um homem simples, conhecido por todos na região, surgir de repente como proprietário de uma grande área na praia não foi aceito pelos nativos, que garantem se tratar de um laranja, a serviço de especuladores para instalações de megaprojetos turísticos já desenhados, faltando somente a expulsão dos pescadores.

A pressão que o juiz Izaac faz para que pescadores e seus familiares desocupem a Praia de Macapá  foge do bom senso do exercício da profissão de magistrado. É comum, por exemplo, nos fins de semana, ele ir pessoalmente às casas simples dos pescadores para negociar os processos, sem se importar com os idosos, doentes, mulheres grávidas e crianças que testemunham as visitas, entendidas pelos moradores como intimidações. 

O magistrado já acumula feitos polêmicos há algum tempo. Em 2020  foi afastado pelo Tribunal de Justiça das funções por infligir a lei orgânica e até mesmo o Código de Ética da Magistratura. Em 2022 o juiz foi afastado novamente  por força de um inquérito policial que apurava fraude de decisões judiciais na Comarca envolvendo o Promotor de Justiça, Galeno Coelho Sá, que supostamente era usado pelo juiz como moeda de troca no caso de um inquérito que envolvia seu filho, no caso, o promotor obtinha provimentos jurisdicionais a seu favor.

Para a comunidade, que resiste no local, é inegociável a sua saída. 

“Aqui era um terreno baldio, como antes não tinha grilagem de terra nós fizemos nossas casas de taipa, depois, de acordo com as condições, foi feito de alvenaria. De 2007 pra cá que a gente corre esse risco de perder nossas moradias. Querem que a gente vá pra cidade que a gente nem conhece, se é aqui é nosso lugar”, afirma Matheus Messias, pescador de 47 anos de idade. Quem faz coro com Messias é Domingos “Nascemos aqui e daqui tiramos o peixe, o marisco, a sobrevivência. Aqui é nosso lugar”, afirma Domingos Alves, pescador nativo.  

As pessoas que, segundo a comunidade, afirmam ter o Registro Imobiliário Patrimonial -RIP- da área são dois empresários, Luís Neto e Francisco da Mata. Luis Neto tem um largo histórico de passagem pela polícia, inclusive ele também é dono de uma fazenda de camarão no local. As famílias contam que quando ele iniciou seu projeto de fazenda, passou por cargos públicos como Secretário de Estado, vice-prefeito e Secretário de Turismo. Em 2020 ele foi acusado de grilagem na região do Porto da Areia, Macapá, e foi alvo de operações da envolvendo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO)

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