Há dois meses vivemos sobre a lógica do essencial. Se para a filosofia ocidental (desde Platão até Descartes), o essencial é algo imaterial e incorpóreo (liga ao espírito e não ao corpo), para a realidade pandêmica que vivemos hoje, o essencial é matéria, são corpos descartáveis, passíveis de morrer e sem necessidade de precauções, pois assim parece está escrito em suas testas desde o período colonial. São negros, emprobrecidos, periféricos que não podem ficar em casa, para que outros tantos possam. (Você pode ver mais sobre esse tema aqui).
Hoje (19/05) mais uma técnica de enfermagem entrou para a triste estatística de mortos pela Covid-19 em Teresina. Dona Solange Moutinho tinha 60 anos, mulher negra e trabalhadora do Centro Cirúrgico do Hospital de Urgência de Teresina-HUT, estava internada no Hospital Getúlio Vargas – HGV desde o dia 09 de Maio, lutando pela vida. Como ela, outros 437 profissionais da saúde foram afastados de suas funções por conta do novo coronavírus. Em todo o estado já são mais de 2400 casos e 85 mortes notificados; no país as mortes já passam de 16 mil.
Enquanto o número de casos só cresce no país, o governo de Jair Bolsonaro segue disseminando a ideia de que a economia vale mais que a saúde e a vida. Empresários, donos das maiores fortunas do Brasil, protegidos por seus super planos de saúde e isolados em suas mansões, corroboram com a ideia de que a economia não pode parar e que, caso a quarentena seja mantida, muitos CNPJ’s (empresas) devem morrer.
Hoje (19) pela manhã, em Teresina, dezenas de trabalhadores dos Correios se reuniram na porta da Central de Distribuição da Zona Sul, depois que um dos funcionários testou positivo para Covid-19. Os demais, mesmo tendo tido contato direto com ele, tiveram que continuar trabalhando, pondo em risco sua saúde e suas vidas, além das dos destinatários, porque a entrega de encomendas e produtos é essencial.
“Estou aqui fazendo uma denúncia para falta de responsabilidade com a vida humana, hoje a empresa pretende mandar para a rua dezenas de carteiros que podem estar infectados com o novo coronavírus, colocando em risco a vida de várias outras pessoas que vão nos receber em suas casas e em seus ambientes de trabalho. Uma total falta de responsabilidade”, desabafa um carteiro, que preferiu não se identificar.
Nos postos de combustíveis, o desemprego já bateu na porta de mais de 3 mil trabalhadores em todo o estado. Nas ruas, os trabalhadores da limpeza urbana seguem aguerridos, mas preocupados. Nos supermercados e farmácias, a necessidade de continuar trabalhando se mistura com o medo de levar pra casa uma doença que ainda não tem remédio e nem vacina.
Para os trabalhadores do setor de transporte coletivo, a única saída foi a greve, iniciada há quase uma semana. O Sindicato dos Rodoviários (SINTETRO) alega a ausência/atraso do pagamento dos salários, do pagamento do plano de saúde e a falta de condições de higiene e equipamentos de proteção que garantam a prevenção contra o contágio pela covid-19.
De acordo com a direção do sindicato (SINTETRO), os empresários estão demitindo os trabalhadores sem pagar os direitos, fazendo depósitos judiciais, porque os trabalhadores recusam-se a serem demitidos e fazerem acordos. A promessa dos padrões é fazer o pagamento dos direitos sem multa rescisória aos trabalhadores em 10 vezes quando acabar a pandemia.
Para o cientista social Marcondes Brito, a pandemia do novo coronavírus acentua algo que historicamente vem de uma prática comum das elites brasileiras: o conservadorismo que coloca a manutenção dos lucros das empresas acima da saúde e vida dos trabalhadores.
“O Brasil tem uma das elites mais conservadoras do mundo, que resistiu a todos os avanços do que seria um processo de desenvolvimento humanitário. Ela é contra a reforma agrária, contra o fim da escravidão, contra a legalização do aborto… é uma elite que não consegue fazer sequer uma boa leitura de conjuntura. Não consegue nem perceber que a morte das pessoas, que são quem move as empresas, traz também a morte da economia.”, afirma.
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