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Não foi acidente, é o legado de um projeto: a Polícia precisa ser reformulada por nossas crianças

No último domingo (27), uma família retornava de uma apresentação musical, rumo ao bairro Dirceu em Teresina, quando foi surpreendida com disparos em direção ao veículo, que terminou com uma criança de 12 anos baleada na barriga. O caso aconteceu no domingo, mas a notícia só veio à tona nesta segunda (28), por volta do meio-dia. “A gente está tentando aqui ainda entender o que aconteceu. Não tem muito o que falar só esperar mesmo a recuperação dela e a investigação também”, disse a irmã da criança, Aline Conrado, em publicação nas redes sociais.

Os policiais envolvidos no caso, embora do Maranhão, efetuaram os disparos em busca de vingança, pela morte do PM, sargento Carvalho Júnior. Vestidos à paisana (sem uniforme) e com carro descaracterizado (sem o carro oficial da polícia), perseguiram o carro da família e, ao pensar que eram os suspeitos, sem ao menos checagem, efetuaram os disparos. Só quando o pai da criança se identificou e avisou que havia uma criança baleada, foi que os policiais cessaram o fogo e pediram desculpas.

Imagem reprodução / Vídeo de câmeras de segurança mostram momento em PM do Maranhão é assassinado.

 

Diante desse trágico acontecimento e pelo tom da violência, dá espaço para o questionamento, a quem de fato serve a lei penal no Brasil? É necessário refletir sobre questões essenciais para a sociedade atual, afinal, por onde parte o treinamento policial para essas abordagens? Porque o senso de justiça policial se revelou através da vingança e não da lei? Como agentes de segurança, a polícia do brasil, de fato, se revela apta para lidar com questões de segurança pública? Justiceiros ou Agente da Lei, qual é a percepção sobre a Polícia do Brasil? 

Foi a partir desses questionamentos que o Ocorre Diário conversou com o Doutor em Sociologia e Professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI), Marcondes Brito, que desenvolve pesquisa nas áreas de violências, juventudes, facções criminosas, dinâmicas criminais, segurança pública e políticas públicas. Para o professor Marcondes, “as polícias brasileiras, toda a polícia, inclusive a do Piauí, tem sido movida por ciclos de vingança, sendo um movimento intrínseco da formação e da ausência de controle das Polícias (…) Sempre que ocorre um crime contra um policial, pela própria ausência de controle da instituição policial, nem o estado hoje, controla essa polícia, e aí casos trágicos como esse acontecem, já são tragédias anunciadas (…) coincidentemente elas sempre ocorrem, quando tem vitimização policial,” relatou Marcondes. 

Foto: arquivo pessoal

O Instituto Opinião revelou esse mês, que mais da metade da população brasileira confia pouco ou nada nas polícias estaduais, O levantamento mostrou que 48,9% das pessoas confiam pouco na Polícia Militar, enquanto 15,5% disseram não ter nenhuma confiança. Em relação à Polícia Civil, os índices foram semelhantes: 47,7% confiam pouco; 14,7% não confiam. Isso demonstra que a base da sociedade, não tem bem definida um conceito de segurança pública funcional, que atenda a população. 

O professor Marcondes comenta que isso vem muito antes da estrutura hoje conhecida da Polícia. “As polícias vão surgir de uma estrutura extremamente privada, em que a noção de direitos, a noção de justiça não existe (…) Os grande proprietários de terra, antes do país ser país, quando ainda era colônia,  criava grupos privados, que respondiam a poder hierarquizados dos senhor de terra, para defender, o espaço privado, quando o país se torna Brasil, os coronéis empresta ou passa a contribuir com uma parte do seu grupo privado para a formação da guarda nacional, quando as polícias surgem, elas surgem com instituição privada”. Nesse sentido, o Professor Marcondes explicita o porquê da relação com o sentido de segurança pública e polícia, não parecem complementares e na verdade se afasta um do outro. 

Uma realidade nacional

Dados do 17º Anuário de Brasileiro de Segurança Pública, mostram que a Polícia Brasileira matou, em 2022, cerca de 18 pessoas por dia, 6524 pessoas no total, 83% dessas pessoas são negras e 45% jovens. Embora o Governo do Piauí tenha orgulho de apresentar o índice de menor taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) do Norte/Nordeste, o Monitor da Violência apresentou que o Piauí teve 199 mortes violentas no primeiro trimestre deste ano, tendo um aumento 20% nas mortes violentas, comparado a 2022. Foi o maior aumento do nordeste e 3º do Brasil.

Entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano, os números são da UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Durante o mês de agosto, dois casos de violência policial na periferia do Rio de Janeiro (RJ), tiveram notoriedade nacional. Os dois envolveram a morte de duas crianças no estado, uma de 05 anos e uma de 12 anos. Embora a tragédia tenha sido de conhecimento nacional, a comoção sobre a situação, não durou até o fim do mês, deixando pairar sobre as famílias, a quem de fato serve a justiça, uma angústia que se espalha pelo Brasil. 

A história demonstra uma fragilidade imensa, na nossa compreensão de segurança e das políticas de seguranças públicas que hoje temos no Brasil, a violência ligada ao modo operante das nossas polícias, tende a atormentar por muito mais tempo nossas crianças e jovens. Assim a reformulação das polícias, principalmente das militares, que são um resquício de uma ditadura violenta, onde o processo de redemocratização não pensou um modelo de segurança na defesa dos direitos, é urgente, pois o que era inadmissível se ver em noticiários, chegam com mais força nas cidades e se torna banal.

Não se pode pensar no caso das crianças atingidas por balas, tanto no Rio de Janeiro, como em Teresina, como casos acidentais, esse tipo de ação é consequência de um legado de um projeto que ver os corpos como alvos e não como gente. 

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