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Neoliberalismo, Estado, saúde e a grande mentira do século

A classe neoliberal de São Paulo que defende a manutenção das pessoas em casa, atitude essa endossada por João Dória, é uma máscara para quem acredita no humanismo que a teoria do Estado mínimo possa ter. No liberalismo – como em sua remodelagem econômica que seu sucessor abraçou em meados dos anos de 1970 e que inundou os discursos políticos das nações ocidentais – não há espaço para qualquer reflexão acerca das implicações da concentração de renda, da privatização desenfreada e crescente precarização das relações capital/trabalho.


O neoliberalismo surge numa nova fase do capitalismo, quando este deixou de ser “produtivo” e se tornou apenas “financeiro”. A riqueza, fruto do trabalho e do seu valor dado, é desconectada completamente da capacidade de poder contribuir com a aquisição de bens sociais mais essenciais. Um desses bens sociais é o direito à saúde, este conquistado a partir de uma reflexão trazida pela experiência direta das relações capital/trabalho, conquanto se observava que o tão falacioso direito à vida da teoria liberal não se sustentava sem uma política de assistência à saúde, que inclusive começou a ser oferecida pelo Estado alemão já no final do século XIX.


A queda do welfare state e a difusão e implantação das teorias do estado mínimo ilustram a derrota de um paradigma que tentava, minimamente, oferecer condições sociais mais equânimes, levando em conta que a vida está em constante risco: violência, urbanização caótica, problemas de saúde, acidentes no trabalho, velhice, poluição, insegurança alimentar, guerras, etc. Hoje se desconstrói na prática a bizarrice do Estado mínimo: governos no mundo lutam com as elites para poder liberar algum recurso para enfrentar a crise sanitária, e nós, pobres, assistimos nos bastidores o crescente lucro dos bancos e o financiamento do Estado a essas entidades.

Ficamos perplexos com a falácia de que não há de onde tirar recursos para financiar o sistema público de saúde. Economistas sérios preveem o fim do modelo neoliberal e seus matizes, então, bastante céticos vamos esperar para ver até onde irá a inércia do Estado aqui e em outros países, inclusive para que no pós pandemia o bloco-histórico reveja seus paradigmas sobre o sistema produtivo.


A pergunta que fica é: ainda apostarão tudo no lucro em detrimento de um direito tão arrotado até por eles: a vida? Não duvido. Em São Paulo, os empresários velhos e de grupo de risco temem morrer, pois é só quando a foice da morte risca a pele da elite que esta defende quarentena por puro egoísmo. Outras elites agora fazem carreatas pelo fim do isolamento social, como em Santa Catarina: empresários nos seus carros de luxo, evitando contato com outros. Retrato do convite à morte para os pobres que saem de casa em busca de alguma sobrevivência imediata, acabam amontoados com muitos outros dentro de um transporte coletivo, no trabalho não tem um EPI para realizar suas funções laborais e ainda tiveram arrancados ao longo das quatro décadas seus auxílios para saúde.


O neoliberalismo pariu uma classe burguesa genocida, sedenta por mais lucro e que deixou os Estados reféns de seus bancos e empresas. O resultado dessa receita é isso que os esclarecidos estão vendo pelo mundo: colapso de um frágil sistema de saúde (EUA, Itália, Espanha – por enquanto) que até então – de acordo com o engodo neoliberal – se acreditava poder ser garantido pela “mão invisível do mercado” ou pela “força de vontade de cada um”.

Texto: Rodrigo Cruz. Cientista político, sociólogo, antropólogo, cronista, contista, poeta, amante de cerveja, música, pessoas, praia e professor do IFPI.

Foto: Agência de Notícias Reuters

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