Menos de 500 metros separam as estudantes Maria Luísa, Ana Luísa e Mel (todas do Centro Estadual de Educação de Tempo Integral Zacarias de Góis – Liceu Piauiense) dos mais de 3 mil alunos do Instituto Dom Barreto, colégio privado que há anos figura entre as melhores escolas do país. Todas as manhãs elas vão para escola, assim como os estudantes do Bom Barreto; todas as manhãs elas encontram os professores, dedicam seu tempo para aprender e se preparar para a vida adulta, assim como os estudantes do Dom Barreto; todas as manhãs elas escrevem, leem, analisam, calculam, assim como os estudantes do Bom Barreto. Mas tem uma coisa que as diferencia:
“Você acredita que vai está no mesmo pé de igualdade que um aluno que está no Dom Barreto? A gente tá tendo uma aula aqui fora da escola, a gente tá tendo que se posicionar aqui fora, por algo que o governo não está querendo nos dar, que é educação de qualidade, que é um direito constitucional”, explica Maria Luísa, que é diretora do Grêmio Estudantil do Liceu. .
A aula a que Maria Luísa se refere aconteceu na última quinta-feira (15/06), na Praça Landris Sales – ou Praça do Liceu, como todo mundo conhece. Um dia sem quadros brancos, carteiras ou cadernos. O conteúdo não era o mesmo dos outros dias, embora fosse tão ou mais importante. Nas ruas, estudantes e professores deram um recado: revogação, já! O projeto de vida que levou dezenas de jovens – entre eles, Maria Clara, Ana Clara e Mel – à Aula Pública pela Revogação do Novo Ensino Médio é o projeto da juventude que quer se manter viva; da juventude negra e das periferias, exposta à todo tipo de violência que lhe arranca o direito à educação, segurança e uma vida digna.
“O novo ensino médio, pra mim, é algo que se baseia em exclusão, que basicamente foi o que estudamos na aula de geografia da professora Cláudia. Exclusão das pessoas que estão embaixo da pirâmide, pobres e que estudam em escola pública. Porque eu não tenho a mesma condição que uma pessoa que estuda no Bom Barreto, não adianta acreditar na meritocracia. No novo ensino médio, ele dificulta ainda mais a pessoa conseguir chegar na universidade”, afirma Ana Clara.
As duas Claras, em comum, partilham uma angústia que não vão experimentar, porque devem concluir o ensino médio antes de uma possível implementação da reforma. Mas elas também partilham as angústias de quem já experimentou o atual formato e também não viu nele a qualidade necessária para colocá-las em pé de igualdade com os estudantes do Dom Barreto, por exemplo. Uma angústia compartilhada também pela Mel.
“Falta merenda, falta verba, falta condições básicas para um ensino de qualidade. Então, como você quer propor que aquele profissional ou aquele aluno passe mais tempo naquele ambiente escolar, aumente a carga horária dele, sendo que agora você não tem sequer o básico? Como que isso vai se proceder? É inviável!”, acredita a estudante.
A aula pública da última quinta fez parte da Semana de Ação Mundial (SAM), um evento organizado pela Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, que reúne profissionais na luta em defesa do direito à educação de todo o país. Neste ano a SAM tem como seu tema o Plano Nacional de Educação e o slogan “Para não retroceder: PNE pra valer. As desigualdades enfrentar, o financiamento descolonizar”. Em todo o Piauí, várias aulas públicas foram realizadas com o mesmo objetivo: refletir coletivamente sobre a proposta do Novo Ensino Médio, aprovada em 2017, pelo Governo de Michel Temer.
A última gestão do Governo Federal – encerrada em 2023 – deu seguimento à proposta que, agora, foi suspensa. Na aula pública, além do aumento da desigualdade entre alunos de escolas públicas e privadas como já observado pelos estudantes do Liceu, os professores e organizadores do evento apontaram ainda outros motivos pelos quais toda a sociedade deve ser contra o Novo Ensino Médio:
- O primeiro está relacionado ao agrupamento das disciplinas, que pela proposta do Novo Ensino serão divididas em linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas e sociais. Dessas, apenas matemática e português serão obrigatórias nos três anos. Disciplinas como filosofia, sociologia e história não serão obrigatórias;
- O segundo motivo está relacionado à forma de construção da reforma, que culminou em um novo currículo escolar imposto de cima para baixo, sem a participação da comunidade escolar.
- O terceiro está relacionado aos profissionais da educação. O Novo Ensino Médio amplia a carga horária dos professores sem aumentar a remuneração, sem contratação de novos professores e sem oferecer infraestrutura, como novas salas de aulas, equipamentos e laboratórios. É sobrecarga aos docentes e precarização das condições de ensino e aprendizagem;
- O outro aspecto é com relação ao acesso ao ensino superior. A reforma compromete profundamente as e os estudantes do Ensino Médio e isso tem interferência muito grande no acesso desses e dessas estudantes à universidade pública
- No Novo Ensino Médio, 40% da carga horária é para estudos em cinco itinerários formativos, mas as escolas não são obrigadas a ofertar os cinco;
O ensino médio se configura como a última etapa da educação básica – composta pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Entretanto, ele não é a última etapa da escolarização. “Eu penso que cada vez mais as pessoas sonham em ingressar na universidade, ou seja, em uma etapa seguinte, que é o ensino superior. E uma das coisas que temos percebido é que essas mudanças para fazer o que está sendo denominado de novo ensino médio cria algumas dificuldades para as pessoas chegarem à universidade, portanto é um atentado ao direito da gente continuar estudando”, afirma a professora Lucineide Barros, doutora em educação e coordenadora geral da Associação dos docentes da UESPI – ADCESP.
Para o professor Francisco Williams, a mudança no processo de formação por itinerários, que retirou disciplinas que são fundamentais para o senso crítico, traz para o Ensino Médio a perspectiva de uma formação aligeirada, sem qualidade e antidemocrática. “Toda vez que a escola se distancia do povo, ela se torna uma escola autoritária. Todas as vezes que a escola se aproxima do povo, ela aprende mais mais e a sociedade se torna mais feliz e democrática. A perspectiva que trabalhamos é para dizer que precisamos garantir o lugar obrigatório das disciplinas, que são importantes, de línguas, literatura, ciências humanas, as voltadas para as tecnologias”, afirma.
Comments (2)
Maria Davis Alves Pessoasays:
16 de junho de 2023 at 10:25 PMÉ difícil comentar, porque não sei em que período da História do Piauí os estudantes do Liceu eram iguais aos do Dom Barreto. Mas sei que os Dom Barreto estudam dia e noite porque sempre tiveram projeto de vida* enquanto os do Liceu estão na praça os do Dom Barreto estão na sala de aula. É até engraçado que tem professor do Dom Barreto que estudou na escola pública.
Adelina Glória Lopes Marreiros Mendessays:
17 de junho de 2023 at 2:45 PMO NEM é uma tragédia pedagógica. Revogação já.