Por Luan Matheus
Passar pelo cerrado piauiense é se entranhar em um emaranhados de cores, cheiros e sabores difícil de encontrar em qualquer outro ecossistema do planeta. Das arvores exuberantes, de casca dura e flores coloridas, aos canto das andorinhas, bem-te-vis e carcarás, tudo por lá encanta os olhos de quem nunca pisou nesse chão.
Mas um som diferente está ecoando no cerrado e coloca em risco sua existência. É que nos últimos 20 anos, o assobiar das andorinhas foi abafado pelo barulho ensurdecedor das colheitadeiras, caminhões e monomotores, trazidas por fazendeiros do sul do Brasil. O Agronegócio encontrou aqui terra fértil, baixo custo e pouca fiscalização, combinação suficiente para instalar suas fazendas que tomam milhares de hectares cerrado a fora. O desenvolvimento que ameaça de morte uma das principais biodiversidades do planeta.
Uruçuí, distante 459 km de Teresina, foi palco, na última quinta-feira (30/01), de uma discussão muito importante sobre o assunto. Pela primeira, em uma Audiência Pública provocada por ambientalistas, entidades de proteção ambiental e da agricultura familiar, foi possível se estabelecer um diálogo em torno dos riscos gerados pelo uso indiscriminado e sem fiscalização desses produtos químicos. Participaram da audiência, além dos atividades, vereadores da cidade, o Prefeito Dr. Wagner, pesquisadores da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e representantes do agronegócio, além de estudantes e moradores da cidade.
Na audiência foi apresentada a CARTA DE URUÇUÍ, assinada por diversas entidades da sociedade civil, considerando que a exploração do bioma chegou ao limite e convocando os Vereadores a tomarem uma medida urgente. A jornalista e ativista ambiental, Tânia Martins, da Rede de Ambientalistas do Piauí (REAPI) comemora o passo que foi dado a partir dessa audiência, ao mesmo tempo que faz o alerta: “já perdemos mais de 50% do cerrado e daqui a 30 anos a tendência é que se perca tudo”. Para ela, o maior problema está relacionada a falta de informação, de dados e de fiscalização sobre o uso dos agrotóxicos no Piauí.
“O estado não faz seu papel como responsável por gerir o uso dos agrotóxicos. Há uma subnotificação e não há um controle. A ADAPI, que deveria fiscaliza, não funciona no cerrado. Não se sabe quanto é usado, quanto é vendido e nem como é usado. O que sabemos é que eles vem fazendo um grande mal ao cerrado e as pessoas que morram aqui. Há muitos casos de contaminação de água, solo e ar e até das pessoas”, afirma a ambientalista.
O Prefeito da cidade, em nota publicada no site oficial da prefeitura, focou nos avanços que a agricultura trouxe para o município. “O debate e a exposição de ideias e propostas se faz necessário no sentido de garantir um desenvolvimento cada vez maior para o município, apesar da temática ter opiniões distintas é necessário obter uma intersecção de ideias. Com o diálogo todos saem ganhando”, afirmou.
O Cerrado Piauiense se concentra no sul do estado, mas também é possível de se encontrar na região norte. De acordo com o último levantamento da Fundação CEPRO, o bioma cerrado ocupava uma área de 11,5 milhões de hectares, em 28 cidades nas regiões Norte e Sul do Piauí, sendo considerado ainda uma fronteira agrícola do estado. A agricultura mecanizada se expande a partir dos grandes plantios de soja, arroz, milho, feijão e algodão.
UMA CIDADE EM RISCO: O AGROTÓXICO QUE “PROTEGE” OS GRÃOS DO CERRADO, CONTAMINA ATÉ O LEITE MATERNO
O acelerado crescimento econômico brasileiro na área de agricultura trouxe como reflexo o uso em larga escala de agrotóxicos para preservar os plantios contra a ação de pragas, a ponto de colocar o Brasil como um dos países com maior consumo mundial desses produtos. No meio de tudo isso existem pessoas trabalhando, consumindo e vivendo próximo a essas áreas de manejo, o que se configura como exposição humana a agrotóxico.
A literatura médica reconhece três vias para contaminação por agrotóxicos: pela ingestão de alimentos, pela via respiratória e pela via dérmica. O sanitarista Inácio Pereira desenvolveu uma pesquisa cientifica em 2017, pela Universidade Federal do Piauí, onde constatou que a contaminação de leite materno se faz presente em município com sem potencial agrícola, sendo mais presente naquelas residentes em municípios agrícolas.
A pesquisa analisou gestantes nas cidade de Teresina, Oeiras e Uruçuí, sendo que nesta última, os números são mais preocupante. De Todas as gestantes que participaram na pesquisa no Hospital Regional Dirceu Arcoverde (Uruçuí), em 83,4% delas foi possível confirmar a contaminação do leite materno por agrotóxico.
Além disso, a pesquisa faz relação com a formação dos filhos de mulheres que tiveram contato com os agrotóxicos. Pelos menos 26% das mães pesquisadas em Teresina tiveram filhos com baixo peso ao nascer e em Uruçuí está variável apresentou resultado de 14,3%.
O abordo também pode ser um outra consequência dos agrotóxicos. Em Teresina e Uruçuí, 1 a cada 4 mulheres pesquisa já tiveram pelo menos 1 aborto. “25,6% das pesquisadas em Teresina tiveram no mínimo um aborto, em Oeiras este percentual foi de 11,1% e em Uruçuí 23,1%”, afirma o pesquisa, que afirma ter feito essa associação no estudo.
“*OS PRODUTORES DO AGRONEGÓCIO PRECISAM REVER SEUS CONCEITOS DE PROGRESSO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO*”, *AFIRMA CARTA DE URUÇUÍ*.
Ao final da audiência foi apresentada uma carta, intitulada “CARTA DE URUÇUÍ” e assinada por representantes da sociedade civil, Sindicatos, Organizações Não Governamentais, Igrejas, trabalhadores e trabalhadoras do município considerando que a exploração do bioma chegou ao limite e convocando os Vereadores, legítimos representantes a serviço do povo, a constituição de Leis que tornem mais rigoroso a utilização de agrotóxicos, incluindo orientação da população sobre meios de proteção. Veja a carta na integra:
CARTA DE URUÇUÍ
Audiência pública sobre Agrotóxico no Cerrado piauiense
A diversidade de espécies que habita centenas de Ecossistemas do Bioma Cerrado passa por um processo depredatório muito rápido, ameaçando, além da fauna, flora e a vida humana, os recursos hídricos, berço dos mais importantes aquíferos da América do Sul (Guarani, Bambuí e Urucuía).
O jeito capitalista de produzir do Agronegócio é o responsável pela degradação do Cerrado que não só explora os recursos naturais, mas polui o meio ambiente com Agrotóxicos, envenena a água, o ar, o solo e causam danos irreparáveis a saúde das pessoas que moram no entorno, principalmente os/as trabalhadores/as rurais. Os números oficiais são subnotificados, porém, pesquisas cientificas da UFPI já comprovaram a presença de agrotóxicos no leite materno e alterações no DNA de trabalhadores/as do campo.
É fato que o complexo agroindustrial no Cerrado piauiense prospera mantendo concentração de terra, especulando áreas gigantes em bolsas de valores através de fundos de pensões que a transformam em commodit e burlando leis. Desta forma chegam em 2019 com uma safra de 4,52 milhões de toneladas de grãos transgênicos. Por trás de tamanha produção, cicatrizes profundas e irrecuperáveis são abertas na terra.
Aos poucos, as nascentes desmatadas e envenenadas vão secando o solo se esgotando e os animais desaparecendo, assim como as famílias tradicionais que há séculos habitam a região com suas culturas peculiares, modo de vida e tradições. Tudo parece perdido. Os produtores do agronegócio precisam rever seus conceitos de progresso, crescimento e desenvolvimento.
Destruição gigante para a concentração de lucros e riquezas ficar entre poucos. A constatação se pode ver no IDH do município de Uruçuí, berço do Agronegócio, de 0,63, longe de ser o ideal para um lugar de onde circulam milhões de dólares. ““…Uma economia que coloca o lucro acima da pessoa, que produz exclusão e desigualdade social, é uma economia que mata, como nos alerta o Papa Francisco (EG 53).
A chegada do programa MATOPIBA foi o golpe final para o bioma. O governo incentivou e fatiou todo o Cerrado entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia para produção de grãos se utilizando de tecnologias avançadas de máquinas que realizam o trabalho sem precisar de mão de obra, portanto é verdade que diante das safras alcançadas o Agronegócio não gera empregos diretos, pelo contrário, provoca êxodo rural com a ganancia de incorporar novas áreas.
Assim, como representantes legítimos da sociedade civil, Sindicatos, Organizações Não Governamentais, Igrejas, trabalhadores e trabalhadoras e considerando que a exploração do bioma chegou ao limite, invocamos e solicitamos aos Vereadores dessa Casa, legítimos representantes a serviço do povo, a constituição de Leis que tornem mais rigoroso a utilização de agrotóxicos, incluindo orientação da população sobre meios de proteção; a avaliação e divulgação dos níveis de contaminação da água potável; maior rigor no controle do uso; proibir a armazenagem de agrotóxicos e defensivos agrícolas na zona urbana da cidade; incentivo a produção orgânica e a proibição da pulverização área, já proibida por lei em outros estados, a exemplo do Ceará, por ser comprovadamente maléfica a todos os seres vivos, incluindo a água e a vida no Planeta Terra. Nossa casa Comum.
Uruçuí, 30 de Maio de 2019.
Fotos: Tânia Martins
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