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O centenário de Paulo Freire e seu legado para a comunicação popular

Fazer comunicação popular é um exercício diário de escuta, aprendizagem e desaprendizagem; é entender que certo e errado não são valores, tampouco, absolutos; é saber se colocar junto do outro e, por alguns instantes, ser parte dele através da palavra; fazer comunicação popular é insurgir contra os aprisionamentos técnicos e construir novos saberes; é encontrar na esperança os caminhos de outros mundos possíveis, que coabitam o mundo como conhecemos hoje.

Hoje, no dia em que Paulo Freire completaria 100 anos, compartilhamos essas e outras ideias que guiam nosso trabalho no Ocorre Diário enquanto veículo de comunicação popular, desde um método dialógico, horizontal e coletivo, até a compreensão política do diálogo para a formação das consciência do mundo.

Freire, embora não tenha se dedicado especificamente à construção de uma teoria para a comunicação, formulou ideias que, sistematizadas, conformam um conjunto de métodos originais e aplicáveis aos processos comunicacionais, sobretudo, os populares, comunitários e alternativos.

Paulo Freire defendia que somente na comunicação tem sentido a vida humana, ou seja, é por meio dela que as outras relações sociais se tornam possíveis, quer seja na educação, política ou relacionamentos. Ao fazer isso, Freire desloca o foco do processo e coloca a comunicação como elemento central para a conformação da consciência. A palavra, portanto, é a origem da comunicação e, sendo a palavra essencialmente diálogo, ela é responsável por abrir a consciência para o mundo comum das consciências, em diálogo portanto.

Paulo Freire

O direito de dizer a palavra e o diálogo são portanto elementos centrais da aplicação do pensamento de freire para a comunicação, mas não apenas isso:

A universidade tenta, por meio de um ensino padronizado, uniformizar o jornalismo de um só modo a serviço de uma lógica de poder. A imparcialidade e neutralidade são tidos como princípios que constitui então valores inerente à profissão e ideal para todos que a exercem, mesmo não existindo de fato. Nós, que fazemos jornalismo engajado com as lutas dos povos oprimidos e subalternizados, não temos receio nenhum em nos definir “parciais”. Para Freire, “não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?”. A nossa, certamente, é inclusiva, plural, dialógica e horizontal.

Na Pedagogia do Oprimido, Freire nos ensina como os processos de “transferência de conhecimento”, o que ele chamou de “educação bancária”, não educam verdadeiramente, apenas criam uma relação de superioridade entre educadores e educandos e o conhecimento como algo ser transferido do professor ao aluno. Esse modelo bancário, também aplicado na comunicação, imputa aos jornalistas uma superioridade do conhecimento dos fatos, onde “habitam a verdade”, tão importante na atual conjuntura. Percebendo a ineficácia desse processo, Freire propõe romper com essa ideia e buscar na “ação dialógica” outros caminhos, onde todos (professores e estudantes/jornalistas e leitores) são partes complementares de um amplo processo de construção do conhecimento, que deve acontecer de forma horizontal e coletiva.

Na Pedagogia da Esperança, Freire nos impulsiona a caminhar, mesmo em tempos sombrios. Para ele, não há como pensar a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho. “A esperança é necessidade ontológica; a desesperança, esperança que, perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica. A desesperança é imobilizadora da ação, faz crer no fatalismo de que não é possível mudar ou recriar o mundo. Mas à esperança é preciso juntar a consciência e ação crítica, porque a esperança é necessária mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia” (p. 05).

Na pedagogia da pergunta, Paulo Freire e Faundez nos chamam a ser questionadores do mundo, problematizadores das injustiças e investigadores da realidade. Nesse sistema hegemônico, somos ensinados a ter respostas prontas às questões que, de alguma forma, sustentam as injustiças sociais. Para Freire, investir na pergunta é um caminho que pode romper com esse sistema, na medida em que as respostas dos poderosos (dadas como certas) são questionadas, problematizadas (criando assim outras respostas e novas perguntas). Mas esse processo, destaca, precisa da participação de todos.

Os povos oprimidos, com esperança na transformação e empoderados das perguntas certas e do direito de dizer sua palavra, são aqueles que desafiam e impõem medo aos poderosos. Não à toa, as ideias de Paulo Freire são alvo da extrema-direita nos dias de hoje. Em tempos de avanço do conservadorismo, onde o legado de Freire vem sendo duramente atacado, é papel nosso defender sua memória, sua história, seus exemplos e métodos na busca da emancipação do conhecimento.

As contribuições de Freire para a comunicação popular certamente são incalculáveis e maiores que esse texto possa demonstrar. O nosso esforço é transformar as palavras em ações, as utopias em sonhos possíveis e a esperança em motor propulsor da transformação social. Nós, que construímos o Ocorre Diário, somos jovens sonhadores, utópicos por vocação e esperançosos por convicção. Somos da escola de Paulo Freire, porque acreditamos em um mundo sem opressores e oprimidos, onde os saberes sejam respeitados pela sua potência, compartilhados para o bem comum e para a formação das consciências e na construção de um outros mundos possíveis. Não acreditamos em saberes universais, mas em saberes diferentes, que constroem perspectivas diferentes de mundo pautadas no bem comum e coletivo.

Comments (1)

  • Eunice de Andradesays:

    20 de novembro de 2022 at 12:43 PM

    Excelente reflexão. Sucinta e sintética expressa a profundidade do pensamento do nosso pensador querido, sempre a resgatar, em sua fala, a dignidade da pessoa humana.

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