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O impacto da Covid-19 nas periferias de Teresina em meio a possibilidade de uma reabertura do comércio

Desde a confirmação do primeiro caso da Covid-19 no Piauí já passaram mais de 75 dias. Enquanto a exigência de ficar em casa não é um privilégio da maioria da população, muitas pessoas permanecem se deslocando em busca de sobrevivência, já que as políticas dos governos e prefeituras não deram conta de garantir estabilidade para a população mais empobrecida. A Covid-19 começa a ganhar novos contornos, atingindo de forma mais agressiva as comunidades periféricas. 

É diante desse cenário que centenas de empresários saem às ruas, em carreatas da morte, pedindo a reabertura do comércio a todo custo e que os governos já começam ceder à pressão do poder econômico, formatando planos de retomada das atividades econômicas. Aqui no Piauí não é diferente, o PRO-Piauí (Pacto de Retomada Organizada) prever uma possível reabertura para o dia 7 de junho. 

Mas essa retomada atende a quais interesses? Quem será mais afetada pelo Coronavírus após a reabertura? Quais garantias a população mais empobrecida tem nesse cenário? Para chegar a essas respostas é necessário uma compreensão mais geral, não apenas da evolução da pandemia na cidade, mas também sobre os territórios e espaços sociais onde a doença chegar com mais força e agressividade.

Pensando nisso, o Ocorre Diário analisou os dados a cerca do avanço na Covid-19 nos últimos três meses em Teresina e constatou uma transição preocupante do vírus, que saiu dos bairros considerados “nobres” e caminhou rumo aos bairros periféricos, onde está concentrado hoje e provoca a maioria das mortes na cidade.

O CAMINHO: DOS BAIRROS ELITIZADOS ÀS PERIFERIAS DA CIDADE

O caminho que o vírus percorreu da china até o piauí ainda é incerto. A única certeza que temos é que sua chegada ao Piauí veio de carona nos aviões ou ônibus que dão acesso à cidade. Um mês após a confirmação dos primeiro casos, os bairros da zona leste de Teresina, considerados áreas nobres, representavam 90% no ranking dos 10 casos com maior número de casos (Jóquei, Fátima, Ininga, Centro, Ilhotas, Morada do Sol, São Cristóvão, Vale do Gavião e Horto). 

Fonte: https://public.flourish.studio/visualisation/2611052/?utm_source=showcase&utm_campaign=visualisation/2611052

Esse ranking, aos poucos foi se modificando, ganhando novos contornos. Os vírus passou a se espalhar para diversos bairros da periferia de Teresina. Em maio, entre os 10 bairros com maior número de casos cinco eram localizados em regiões periféricas (50%) e em junho o cenário mudou completamente e os bairros periféricos já são maioria entre os bairros com maior número de casos, representando 60%.  

Gráfico: Ocorre Diário – com base dos dados do Painel Covid-19 Teresina

Esse percurso não é difícil de entender. Como grande parte das pessoas infectadas não apresenta sintomas ou apresenta sintomas bem leves, pesquisadores do Piauí acreditam que a contaminação tenha partido de uma pessoa infectada assintomática, mas transmitia o vírus. Enquanto o vírus circulava, trabalhadoras/es domésticos continuam indo trabalhar, vendedores continuam no comércio, frentistas seguiam abastecendo os veículos e o caminho foi abrindo até chegar a várias regiões da cidade. 

Assim, o número de casos seguiu a mesma tendência. Até o dia 15 de abril, os 10 bairros com maior número de casos confirmados registravam 38 pessoas infectadas pela Covid-19. Desse total, pouco mais de 7% estavam em bairros periféricos.  Em maio, o número de casos no ranking dos 10+ saltou para 172, sendo que 79 deles eram de bairros periféricos (45,9%). Em junho, a periferia já concentrava a maioria dos casos, superando a marca de 60%. Ou seja, em menos de dois meses, o número de infectados nas periferias saltou de 7 para mais de 60%. 

Gráfico: Ocorre Diário – com base dos dados do Painel Covid-19 Teresina

COM SERVIÇO DE SAÚDE JÁ PRECÁRIO, PERIFERIAS CONCENTRAM AS MORTES POR COVID-19 EM TERESINA

Os dados mais recentes do Painel Covid-19 da Prefeitura de Teresina mostram que o Promorar e o Itararé são os bairros com maior número absoluto de mortes, contabilizando 5 óbitos cada um. Os bairros por onde a Covid-19 chegou à Teresina hoje contabilizam quantidades muito pequenas de óbitos. 

Comparando o número de casos com o número de óbitos de cada bairro no ranking dos 10+, chegamos ao percentual de morte por cada região da cidade. O resultado mostra mais uma vez a vulnerabilidade em que se encontram os/as moradores/as das periferias. 

Gráfico: Ocorre Diário – com base dos dados do Painel Covid-19 Teresina

O bairro Promorar, na zona sul de Teresina, apresentou a maior taxa de mortalidade da cidade e ocupa dois extremo desse ranking dos 10+: é o bairro com menor número absoluto de casos (44), entretanto, registrou o maior número de mortes (5). Isso leva o bairro a ter uma taxa de mortalidade superior a 11%. Outros bairros como Buenos Aires (6,3%), Itararé (5,3%) e Pedra Mole (4,3%) também apresentaram taxas elevados. Por outro lado, nos bairros considerados “nobres” essa taxa ficou entre 2% e 3%. 

Em resumo, é na periferia que onde se concentram a maioria dos casos e também a maioria das mortes. 

EM PLENA ASCENSÃO DOS CASOS, GOVERNO DÁ SINAIS DE REABERTURA 

No mesmo dia que o estado registrou um recorde de novos casos em um único dia (foram 653 casos nesta quinta-feira, 04/06), o governador Wellington Dias (PT) disse ter um ambiente para se tomar alguma decisão sobre a flexibilização das atividades econômicas no estado. A decisão deve ser anunciada neste sábado (06/06) e no começo da semana foi anunciando o Pacto de Retomada Organizado. 

De acordo com o Professor Carlos Rerisson (UESPI), o momento se mostra ainda delicado para uma reabertura das atividades consideradas não essenciais, que implicará obviamente na redução do isolamento. Os índices de isolamento social observados nos últimos dias e ainda a média de casos diários observada nos últimos 3 dias (315 casos média), que é superior a todos os dias anteriores desde 19 de março, quando registramos o primeiro caso de COVID-19 no Piauí, nos mostra que uma reabertura das atividades ou uma flexibilização do isolamento guarda muitos riscos. 

“Essa decisão requer minimamente parâmetros claros e capacidade de monitoramento, ou o preço a se pagar será a morte de muitos piauienses. E aí, há para mim uma preocupação quanto ao que está proposto no Plano apresentado pelo Governo do Estado nos últimos dias, cujos critérios se mostram imprecisos, não havendo métricas claras e explícitas”, afirma o professor.

De acordo com o Carlos Rerisson, o documento, que se encontra em fase de consulta pública, não define quais as médias a serem alcançadas para se considerar baixa, média ou alta a capacidade de atendimento ou baixa, média ou alta a propagação da doença, havendo apenas a indicação de uma metodologia de cálculo, sem referencial claro. “Isso nos preocupa bastante e merece toda a atenção”, finaliza.

  

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