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O que está por trás das cercas do Parque Lagoas do Norte?

Cercar uma praça ou um parque, na prática, significa retirar do público o poder sobre aquele lugar; o espaço deixa de ser de decisão comunitária e passa a ter seu controle centralizado: geralmente pela gestão pública municipal ou uma empresa privada.

A cidade de Teresina hoje vive um dos seus momentos de maior retrocesso do Direito à Cidade com o cercamento do Parque Lagoas do Norte. Para além do absurdo dos recursos empregados nesta obra – são quase 2km de grades e mais de 1 milhão de reais gastos – a Prefeitura de Teresina não realizou qualquer consulta pública para saber se a população é favorável ou contrária a ação, revelando que a “cidade para pessoas” é apenas um discurso vazio. 

Ana Caroline é moradora da comunidade e afirma que ninguém foi consultado sobre a implantação das grades. “Essas grades, foram colocadas sem ao menos perguntarem a opinião das comunidades atingidas, com a justificativa de que é para uma maior segurança, porém essa “obra” não é sinônimo de segurança pública. Segurança pública se faz com ações de inclusão social.  Essas grades interferem na sobrevivência e na dinâmica da fauna e de forma simbólica na exclusão de seres humanos. Invés de estar gastando 1 milhão de reais do povo em grades, deveria estar investido na educação e comunicação com a população”, afirma.

Quem também está indignada com a situação é Sabrina Siqueira, professora e moradora da comunidade. “Um dia estava fazendo caminhada no Parque Lagoas do Norte e no outro ao chegar já percebi o ambiente diferente, não estava tão natural como parecia antes, agora tinham grades. De início o pensamento foi de indignação por morar ao lado do parque e não saber que iriam fazer aquilo, pouco tempo depois percebi que não era a única desinformada sobre a mudança”, afirma. 

Em qualquer cidade democrática a decisão sobre o bem público está nas mãos da população, em um governo autoritário a aposta é pelo medo: “o Parque Lagoas do Norte acabou bebendo um pouco nessa fonte, a exemplo de outros parques na cidade, praças inclusive gradeadas. O impacto visual de fato chama a atenção, mas a população se sente mais segura em frequentar esse tipo de ambiente e observamos um número menor de vândalos”¹. A fala do gestor do Parque, Leonardo Madeira, resume a política que historicamente impera na cidade de Teresina e que vai retirando o que temos de mais precioso, a liberdade. 

Quanto ao argumento de que é necessário cercar o parque para evitar os constantes roubos da fiação elétrica do local, este fato talvez seja consequência de um problema maior: o desemprego, por exemplo. Cercar Parques não resolve o problema da insegurança, apenas transfere a violência para outro lugar. 

“O Parque nunca pertenceu a população, o Parque é deles (Prefeitura), eles fazem o que bem entendem sem nos consultar. Tentam inclusive entrar em nossas casas e nos tirar de lá, mas isso não vão conseguir não”, diz Maria Lúcia, do Movimento de Atingidos e Atingidas pelo Programa Lagoas do Norte.

Tecnicamente, do ponto de vista urbanístico, não existe qualquer estudo científico que comprove que grades tornam um espaço mais seguro. O que especialistas têm discutido, a partir de exemplos em outras cidades é que ao se cercar parques e praças retirasse também o sentimento de pertencimento da população sobre o bem público; com o excesso de regramento – hora de abertura e fechamento, por exemplo – a mensagem é que as pessoas são mera usuárias, que devem seguir as regras e que não compartilham da gestão do lugar. 

A ilusão da segurança pretendida ao se isolar um espaço dentro da cidade, na verdade gera um efeito imediato de “deserto” em volta de toda área ao redor. Na real, as cercas se tornam limites extremos: dentro das grades uma falsa sensação de segurança e liberdade, do lado de fora as pessoas evitam passar pelas ruas cercadas dos dois lados e pelos espaços ociosos onde as grades criam verdadeiras armadilhas. O lado de fora, que representa a realidade da vida urbana, passa a ser um local desagradável e de baixa frequência de pedestres e ciclistas; com a ausência de pessoas nas ruas, a consequência é que o bairro se torna um local inseguro. 

Não podemos deixar de citar aqui o papel decisivo da mídia hegemônica local, empenhada em fortalecer o discursos de perigo que há nos espaços públicos das periferias de Teresina.

Agressão Ambiental

As grades, além de todo o prejuízo à comunidade, também desrespeita a fauna local. No final de semana, uma iguana ficou presa entre as grandes. A Silvana, professora de uma escola da comunidade, foi uma das pessoas que tentou ajudar a iguana a se livras das grades. No áudio abaixo ela relata como foi. 

Sabrina conta que as grades foram aumentando ao poucos. “Até que um dia, vimos uma iguana presa na grade, já bem fraca, a sensação de revolta apareceu. Além de ser visualmente feio, tem um grande impacto ambiental com os animais do local. A justificativa das grades é a segurança, segurança essa que nunca funcionou. Todo tipo de pessoa pode atravessar uma grade”, afirma.

Privatização à vista!

Na verdade, por experiências de cercamentos em outras cidades, o projeto das grades é sempre acompanhado de uma futura privatização. Claro que em Teresina não seria diferente. 

O Plano de Parcerias Público-Privadas de Teresina trás a proposta de 12 projeto a serem implantados nos próximos anos na capital, todos com previsão de concessão à iniciativa privada pelo prazo de 5 a 35 anos e valores contratados de até 20 milhões de reais por projeto. Entre os projetos está a concessão dos Parques Públicos da cidade, em especial dos que fazem parte do Programa Lagoas do Norte, que segundo o documento estão em fase de estudos avançados. ²

Foto: Plano Municipal de Parcerias Público-Privadas de Teresina, 2017. Destaque para um dos Parques do Programa Lagoas do Norte.

O capítulo atual do Programa Lagoas do Norte – PLN é também um ponto chave para compreender a década de conflitos que envolvem a implantação do Programa na zona norte de Teresina. Isso porque o projeto de cercar o Parque cumpre o que há muito tempo vem denunciando o Movimento Lagoas do Norte Pra Quem?: “dizem que é área de risco para poder transformar em área de ricos” – um dos lemas do Movimento. 

Com razão, pois a ideia do isolamento através das grades, muros altos e arame farpado é uma antiga invenção da elite, que no Brasil tornou esse projeto de segregação urbana ainda mais cruel. A decisão por se fecharem em condomínios de luxo, “protegidos” do mundo externo é um ato de aversão pelo diferente, que não esconde suas profundas raízes do preconceito. 

Existe uma estratégia para que o projeto higienista se cumpra: primeiro implanta-se o medo através do discurso de que as periferias são violentas; as comunidades são divididas e toda manifestação da cultura local será reprimida, a exemplo do Hip Hop; os moradores locais deixarão de visitar o parque por medo da repressão enquanto pessoas de outros bairros (ricos) são incentivadas a irem o local,  agora protegidas do contato com as comunidades da região; o efeito disso é uma real insegurança de quem vive no entorno das grades, que acabam se mudando e, assim, a área é reapropriada pelo capital imobiliário que enfim transforma o Parque em uma fonte de lucro (pra quem pode pagar!). 

Na luta por uma cidade humanizada e de pleno exercício dos Direitos Humanos, a aposta é de que mais pessoas nas ruas geram mais segurança. Imagine caminhar a noite por uma rua onde a vizinhança está sentada nas calçadas, uma moradora atende clientes com sua banquinha de arrumadinho, as crianças andam de bicicleta e um aniversário acontece com os portões abertos, extrapolando a festa para a rua. Agora imagine descer no ponto de ônibus e seguir no seu percurso por uma rua cercada ou com muros altos dos dois lados. Onde você sentiria mais segurança em caminhar? 

¹https://www.youtube.com/watch?v=68rJD-8siJ8&ab_channel=TVCidadeVerde

²https://semcop.teresina.pi.gov.br/wp-content/uploads/sites/11/2017/11/Plano-de-Municipal-de-Parcerias-P%C3%BAblico-Privada-de-Teresina.pdf

Matéria colaborativa escrita por Luan Rusvell (Arquiteto Urbanista Popular) e Luan Matheus (Jornalista do Corre Diário)

Colaboração especial de Sabrina Cirqueira, Ana Calorine Cirqueira e Silvana Pereira, moradoras da região do Parque Lagoas do Norte.

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