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O saber semear de Sueli Rodrigues: dois anos de sua passagem e a presença coletiva que resiste

Há dois anos, no dia 26 de julho de 2022, uma das nossas maiores referências ancestralizou. A pluralidade de Maria  Sueli Rodrigues de Sousa construída e semeada em uma vida de muita luta e resistência continua a reverberar em corações e mentes. São filhas, amigos, alunos e alunas, companheiros de luta e de caminhada que levam consigo a saudade e, ao mesmo tempo, a força de seu nome e os acúmulos por ela compartilhados. 

Para honrar a memória de toda a riqueza e sabedoria plantadas por Sueli ao longo da sua jornada neste plano, o Ocorre Diário reuniu algumas das sementes plantadas e cultivadas por Sueli que resistem e ecoam seus saberes e práticas na defesa dos direitos humanos e das vidas não-humanas, na defesa dos territórios.

“A vida não é uma estrada em linha reta” 

Natural do Piauí, Sueli nasceu no Saco  da  Ema,  comunidade  do  município  de  Francinópolis. Aos seis anos de idade, viu a seca na caatinga piauiense separar sua família. Na sua caminhada enquanto mulher negra, Sueli vivenciou a violência da sociedade trabalhando ainda jovem como empregada doméstica.

Ela compartilha relatos e reflexões no documentário “Curica!”, que traz memórias de cinco mulheres vítimas de trabalho doméstico infantil e trabalho análogo à escravidão. O documentário foi produzido pela Madre Filmes e foi baseado na Carta de Esperança Garcia, mulher negra escravizada cuja história o trabalho de Sueli ajudou a reconhecer no Piauí e no Brasil.

Trajetória acadêmica

Em  1997,  graduou-se  em  ciências  sociais  pela  UFPI  e  em direito, em 2003,  pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Sueli possuía mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPI) e doutorado em Direito, Estado e Constituição (UnB). Sueli atuou como pesquisadora  vinculada  ao  curso  de  direito  da  Universidade  Federal  do  Piauí (UFPI)  e  integrou  o  Programa  de  Pós-Graduação  em  Sociologia (PPGS/UFPI), o Programa  de  Pós-Graduação em  Gestão  Pública  (PPGP/UFPI)  e  o  Núcleo  de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendências (IFARADÁ/UFPI).

Sementes coletivas de Sueli

  • Pesquisa em Direitos Humanos

A trajetória enquanto pesquisadora comprometida com os direitos humanos e a defesa dos territórios frente ao modelo desenvolvimentista, acumulou na criação do DiHuCi, grupo de pesquisa em Direitos Humanos e Cidadania, que já foi coordenado por Sueli e é vinculado à Universidade Federal do Piauí. O grupo de pesquisa formou profissionais do direito que seguiram na defesa embasada dos territórios. 

  • Dossiê Esperança Garcia

Sueli Sueli foi fundamental, local e nacionalmente, para o reconhecimento de Esperança Garcia como primeira advogada do Brasil. Na presidência da Comissão  da  Verdade  da  Escravidão  Negra da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Piauí, Sueli articulou um requerimento para reconhecer Esperança Garcia como advogada piauiense. Os frutos de seu trabalho junto a outros pesquisadores, resultaram no reconhecimento de Esperança Garcia pela OAB nacional. 

  • O livro de Sueli

Em suas várias décadas como professora, Sueli nunca tinha escrito um livro. Intelectual orgânica e apegada à oralidade, ela preferia a conversa olho no olho. Pouco tempo antes de ancestralizar, Sueli foi convencida por amigas sobre a importância de reunir parte das suas contribuições teóricas em um livro. O livro “Vivências constituintes – Sujeitos desconstitucionalizados”, foi organizado por Jeanete Fortes e editada pela Avant Garde Edições, reunindo artigos de sua trajetória social e acadêmica. Lançado em 2021, o os textos incorporam, de corpo e alma, os sujeitos desconstitucionalizados, e apontam sobre a necessidade de ressemantizar o ideal moderno de rompimento, de (des) envolvimento e de concorrência, indicando que resistir a essa mentalidade corrosiva deve dar-se por meio de de laços e nós dialógicos; que no lugar de (des)envolver, nos juntemos.

  • Coletivo Antônia Flor

Sueli também contribuiu na fundação da Associação de Assessoria Técnica Popular em Direitos Humanos – Coletivo Antônia Flor em 2014, que reúne advogados e advogadas populares na defesa dos direitos humanos. O Coletivo Antônia Flor completa 10 anos de existência e é fruto da trajetória de Maria Sueli na pesquisa e extensão junto a povos e comunidades tradicionais, também como advogada popular tanto no âmbito da litigância estratégica, como também em ações judiciais e articulações institucionais. O projeto inaugural foi a assessoria jurídica popular as comunidade quilombolas de Contente e Barro Vermelho, localizadas em Paulistana/PI, impactadas pela construção da ferrovia transnordestina, trabalho que continua sendo realizado até hoje pela organização.

É um espaço que reflete a potência de Sueli, pois a partir desta frente de apoio aos povos ameaçados por grandes empreendimentos, a organização se expandiu para atuar também junto à familiares de pessoas aprisionadas e construiu, articulou e atuava ativamente na Frente Estadual pelo Desencarceramento do Piauí, articulado junto a Agenda Nacional pelo Desencarceramento e movimentos sociais locais no enfrentamento às mazelas e violações de direitos humanos do sistema prisional no Piauí.

  • Ocorre Diário

A professora Sueli Rodrigues também era uma aliada da comunicação como uma ferramenta na luta por direitos. Junto ao Ocorre Diário, Sueli realizou, em 2020, durante a pandemia de Covid-19, o Círculo de Saberes – Pensar/Agir na Sociedade com o curso “Ações Coletivas e Relações de Poder: Reflexões nas Cosmovisões Ubuntu, Ukama e Bem Viver”. Seus ensinamentos reverberam em comunicadores do Piauí e do Brasil.

  • Novas sementes

Após sua passagem, são muitas as homenagens de coletivos e organizações. Um exemplo é o Coletivo Sueli Rodrigues, que articula estudantes negros e negras da UFPI e que germinou também o Slam do Coletivo Sueli Rodrigues, que é uma batalha de poesia falada. O Centro Acadêmico de Direito da UFPI também passou a se chamar Sueli Rodrigues, em homenagem à professora que sempre foi uma referência de profissional do direito. A Casa Maria Sueli, uma ocupação na comunidade Boa Esperança, também é uma das sementes florescidas após a passagem de Sueli que mostra o quanto sua luta permanece viva nos territórios e comunidades por onde ela compartilhou seus saberes. 

Movimento social e político

Antes de ingressar nas ciências sociais e no direito, Sueli trabalhou como professora de Português, Literatura e Redação, fazendo Licenciatura em Letras, e chegou a integrar a diretoria  do  Sindicatos  de Professores  (SINPRO). Atuou no Partido  dos  Trabalhadores (PT) e no movimento de mulheres. É uma referência na luta feminista, onde construiu a União das Mulheres Piauienses (UMP) e mais tarde compôs a Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio do Piauí. Ainda na jornada política, Sueli ingressou no Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pelo qual foi candidata ao governo do Piauí em 2018 e também disputou vaga na Câmara Municipal de Teresina em 2020.

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