OcupaFrei vem ocupando o canteiro desde Dezembro de 2018, sempre as sextas feiras com ações culturais em prol do direito a cidade e da preservação do património histórico. O movimento conseguiu entrar com ação junto ao MP através de uma carta aberta construída durante assembleia pública. A próxima ação no canteiro acontecerá no dia 15 de fevereiro.
Vivemos em um tempo em que ocupar é visto como crime. Na verdade a ideia de criminalização dos que ousam ocupar os espaços já vem sendo difundida há algum tempo, inclusive foi um dos símbolos da campanha do atual presidente do Brasil. Se a “descoberta” das plenárias públicas se tornaram uma forte estratégia dos movimentos sociais nos últimos anos, a reação à direita também soube medir o poder da livre manifestação de ideias e todo seu potencial democrático. Neste ano de 2019, a proposta do movimento ocupe Frei Serafim é continuar ocupando e transformar a principal avenida da cidade em uma plenária pública. Na contrapartida, a ideia da Prefeitura de Teresina é transforma-lá em um corredor de ônibus.
Quando o Presidente eleito afirmou durante campanha no ano passado que iria “botar um ponto final em todos os ativismos no Brasil”, suas palavras somaram-se em coro pelos que defendem o fim da livre organização social. Em janeiro deste ano quando a Deputada Estadual eleita Janaina Pascoal (PSL-SP) declarou: “tenho horror à militância, tenho horror ao ativismo”, sua fala fez jus aos que acreditam que a rua não é lugar para se exigir direitos. No contraponto à esses discursos, a cidade de Teresina inicia o ano incitando aquilo que tentam tipificar como terrorismo – a faixa que os moradores estendem à frente já diz tudo “A CIDADE É NOSSA, OCUPE-A!”.
Ao fazer o chamado à população de Teresina para se organizar, o Movimento #OcupeFreiSerafim, acabou abrindo um ponto de disputa junto à Prefeitura de Teresina: de um lado moradores articulados que defende que o canteiro da avenida Frei Serafim continue com sua função de passeio público; espaço para caminhar, encontrar, se organizar, reunir pessoas, que continue sendo o que sempre foi. Do outro lado, a gestão municipal quer transformar o canteiro central em uma grande plataforma de embarque e desembarque de passageiros e para isso a ideia é construir 7 estações de ônibus sobre o passeio. São ideia opostas, mas que o movimento de moradores propõe discuti-las publicamente. A Prefeitura Municipal se recusa ao debate popular e o impasse agora está sendo mediado junto ao Ministério Público.
O Projeto de in-the-gra-ção
Nesse ano de 2019, a nova etapa de implantação do sistema Inthegra é transformar a Frei Serafim no principal corredor de ônibus da cidade. Para isso é necessário construir 7 estações de passageiros ao longo da avenida e o local escolhido para isso foi o passeio central. Segundo os técnicos da PMT, os “containers” (como se referiram às estações durante audiência pública) são estruturas de metal e vidro, que medem 40,0 x 9,0 metros e devem ser posicionados sobre o espaço por onde hoje circulam pessoas. Sobre as árvores a Prefeitura afirma que continuará seu compromisso de sempre com o meio ambiente, mais um motivo para nos preocuparmos.
O projeto segue o planejado para o novo sistema de transporte público de Teresina, e por isso mesmo nos dá inúmeros motivos para questionar. Em uma rápida retrospectiva, lembramos que as obras do sistema Inthegra começaram sua derrocada no ano de 2014 com a construção da Ponte do Meio, a qual serviria de corredor exclusivo para os ônibus. Na época outro movimento organizado por moradores (#VemProMeio) ocupou a ponte chamando a atenção para os impactos ambientais gerados e que até hoje ainda não foram medidos. O que se sabe é o que ficou visível: o agravamento do assoreamento do rio Poti e a derrubada de dezenas de carnaúbas.
Em 2015 a construção dos terminais de ônibus trouxe como ônus a destruição de alguns espaços públicos importantes na cidade, como o fim da Praça do Buenos Aires, do Bela Vista e da área verde do Itararé. Em Outubro daquele ano, a empreitada foi barrada por outro grupo de moradores que decidiram não abrir mão de mais uma praça. Para garantir o desejo da comunidade foram necessários nove meses de ocupação na principal praça do bairro Parque Piauí, o que deu início ao vitorioso movimento #OcupaPraça. Ao fim dos nove meses de disputa os moradores conseguiram poupar 170 árvores que seriam derrubadas e puderam escolher onde o terminal do seu bairro seria implantado. No entanto o principal trunfo do movimento foi ensinar como se garante participação popular nas decisões desta cidade.
Ocupar é preciso!
Ocupar não é nenhuma novidade em Teresina, na realidade já foi provado que esse é o único método de decidir sobre este lugar que vivemos. É uma disputa, mas também é um ensaio de um novo modelo de democracia participativa e já sabemos que a principal arma é a resistência – “Daqui não saio, daqui ninguém me tira” como gritam há 10 anos os moradores Atingidos pelo Programa Lagoas do Norte, na zona norte.
Neste novo capítulo da “Teresina que queremos” o que está em jogo é muito mais que uma alteração urbana em uma avenida, é a etapa sem volta de apagamento da pouca memória que ainda nos resta. É preciso que a população tome as rédeas da “Cidade para Pessoas”, decidida nos gabinetes a 17º C, e assuma de vez o projeto da “Cidade feita pelas Pessoas”, o que só pode acontecer no calor do povo reunido.
Para além das discussões projetuais, a proposta da prefeitura ignora por completo o principal fator desta obra: o impacto ao patrimônio histórico local. Como sabemos, a avenida frei serafim foi a primeira grande avenida construída na capital, responsável por direcionar o crescimento da cidade no sentido leste, a partir do centro, e dividir a zona sul da zona Norte. A proposta de Boulevard foi naturalizada aqui pelo corredor formado pelos Oitis. Os casarões que hoje margeiam a avenida se erguem a partir de memórias e nos servem como testemunhas do passado.
Antes que atirem a pedra do saudosismo, a questão vai além da arquitetura edificada às margens da avenida. Acontece que a avenida se tornou muito mais que um corredor de passagem, assumiu seu caráter de passeio público e hoje podemos afirmar que se tornou um lugar de essência política. Sim, e talvez seja essa a justificativa para o projeto: descobriram o quão democrático pode ser um lugar onde as pessoas podem se encontrar, discutir e manifestar seus pensamentos. O quanto pessoas reunidas em um espaço público pode denunciar a toda uma cidade. Esse é o grande feito da avenida frei serafim: seu poder de ampliar as vozes dos que a ocupam.
De fato, naturalmente, a avenida que hoje querem transformar em um corredor de ônibus, acabou se tornando um lugar organização e manifestação social. Um lugar a que todos nós comungamos como símbolo de Teresina. Mas o fascínio é por modernizar a capital, superar o passado em busca do cidade futuro que nunca chega, nem nunca chegará, porque até hoje se desconhece uma cidade que tenha vingado enterrando sua história.
Fotos: Movimento Ocupe Frei Serafim
Texto: Luan Rusvell / Movimento Popular pelo Direito à Cidade
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