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OPINIÃO: É difícil construir um caminho para a luta antirracial no Brasil

José da C. Bispo de Miranda*


O quadro de homicídios no Brasil e Piauí não deixa dúvidas sobre o que está acontecendo neste país. Primeiro destaco a continuidade de uma sociedade branca, racista e hierarquizada que segue seu fluxo, que na perspectiva de Silvio Romero, iria extinguir negros e mestiços, fato
denunciado por Abdias Nascimento, ao afirmar que a sociedade brasileira, além da extinção física, isso resultaria numa extinção cultural.

Para muitos, essa vertente é muito radical, os fatos desmentem a tese de Silvio Romero, mas o que pensamos sobre a tese de Raimundo Nina Rodrigues (nome de município no estado do Maranhão). Para ele, não seria possível a extinção de negros e mestiços na sociedade brasileira, logo teríamos que pensar uma ‘unidade’ que situasse esses segmentos. Qual foi seu achado? Baseado na tese das desigualdades raciais seriam necessárias alterações nas responsabilidades penais. Os negros, índios e mestiços não têm a mesma capacidade do direito e do dever (de discernir seus atos para exercer o livre arbítrio) que a raça branca tem, por ser mais civilizada.

Neste sentido, o contrato social que deve tratar todos com igualdade, é convertido para negros, índios e mestiço em repressão social (acredito que um pacto que deve estar em vigor, pelos números). Este contrato exibe números fantásticos para seus dominantes, a sociedade está mais segura para brancos, na medida em que eles estão, proporcionalmente, cada vez mais protegidos numa sociedade de negros. Algo intolerável em outra sociedade.

Na sociedade norte-americana o assassinado brutal de jovens negros pode até ficar impune pelas autoridades, mas negros, mestiços e brancos demonstram sua unidade na identidade étnica (manifestações coletivas são realizadas, competições esportivas são canceladas, jornalistas ao vivo saem do ar em protesto), mesmo em números proporcionais menores do que
a população branca daquele país.


Somos um país diferente? Sim, somos diferentes. Mas essa diferença foi construída pelo nosso colonizador que nos colocou numa estrutura estamental em relação ao branco e numa hierarquia entre pretos e pardos. Não apenas isso, possibilitou que aos poucos negros e mestiços que, ilusoriamente, pensam ter rompido a estrutura de ‘classe’, se sentissem ‘subindo’ a hierarquia e tornando-se inicialmente pardo, depois branco.

Com isso fundindo sua identidade com o grupo dominante, pensando a partir disso, que estariam livres das consequências do seu fenótipo. É difícil construir uma unidade identidade étnico-racial no Brasil e, logo, uma estratégia de luta antirracial que possa unificar mais de 51% da população brasileira e 70,7% das pessoas piauienses.

Por fim, o que resulta disso: 1) fraca adesão dos poderes dominantes de propostas que emancipem negros e mestiços da miséria em que vivem (muitas vezes negros e mestiços não se consideram ‘negros’ ou pensam gozar dos mesmos privilégios dos brancos, numa sociedade branca de maioria negra); 2) entre negros e negras, as propostas de inclusão social,
de cotas sociais e raciais encontram dificuldades de serem encampadas por virem à tona a questão do mérito, o academicismo, que criam regras rígidas para avaliação e implementação de políticas sociais e; 3) a manutenção do status quo, porque os negros-brancos/negras-brancas imaginam que os negros-pobres são ameaçadores de sua própria condição social.

  • José da Cruz Bispo de Miranda é professor associado da Universidade Estadual do Piauí, Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Ciências Sociais – NUPECSO. É doutor em Antropologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005).

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