Texto: Luan Matheus Santana, com informações da Associação Indígena Gamela
A ACÃO CIVIL PÚBLICA (ACP) FOI MOVIDA CONTRA O ESTADO E CONSÓRCIO HIDROS/OTIMA.
“Com o tempo, esses riachos e minas de água vão ser tudo subterrado, com a enchurrada, porque o que eles fizeram aqui tudo mal feito, não era par ter feito nesse local, aqui é area indigena que deve ser preservada, a luta nossa é pra isso. Eles chegram e não procuraram nenhuma liderança indígena, pra conversar e discutir, não fizeram nada disso”, afirmam lideranças indígenas em públicado na redes sociais. A denuncia é da construção de uma Rodovia irregular dentro da terra indígena Gamela no sudoeste do Piauí, no município de Currais, distante 645 Km da capital Teresina.
Foram quase nove meses de denúncias e diálogos até o caso chegar à justiça, por meio de Ação Civil Pública (ACP) ingressada pela Defensoria Pública da União, através do Dr. Rômulo Plácido. No dia 10 de outubro, o Juiz Federal Jorge Peixoto, da Vara Federal de Corrente, proferiu decisão liminar em favor da comunidade, reconhecendo que as obras de implantação e pavimentação asfáltica da rodovia PI-392, entre o município de Currais e o entroncamento da rodovia PI-397 (Transcerrado), são uma ameaça à preservação do território tradicionalmente ocupado pelos indígenas da Aldeia Laranjeiras, em razão do desmatamento e destruição da área, com a remoção da vegetação, da qual se extrai o insumo que garante o sustento da comunidade e seu próprio modo de vida .
Na liminar, o juiz determinou a “suspensão imediata de todos os efeitos da Licença Prévia (LP) nº 01645-9/2021 e da Licença de Instalação (LI) nº 05081-4/2022, expedidas pela SEMARH-PI” e determinou ainda que o “réu, Estado do Piauí, por meio da SETRANS-PI, e o réu, Consórcio Hidros/Ótima, procedam à imediata suspensão das obras de construção da estrada estadual aqui mencionada, bem como a qualquer intervenção na área com a finalidade de dar continuidade à implantação do empreendimento, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00“.
Essa é uma vitória histórica e muito para os provos indígenas no Piauí. Segundo o Cacique Salvador Gamela, principal liderança do território de Laranjeiras, “foram várias violações dos direitos dos povos indígenas, primeiro a Consulta Prévia Livre e Informada em consonância com a Resolução 169 da OIT sobre a construção da estrada, outra violação trata da irregularidade das licenças ambientais”.
Para a professora doutora Socorro Arantes (da Universidade Federal do Piauí – UFPI), que atua junto à comunidade via projeto de extensão universidade popular, essa é uma vitória da resistência dos povos indígenas Gamela contra as máquinas do agronegócio no sudoeste do Piauí que desertifica cotidianamente o bioma cerrado, destruindo a vegetação nativa, soterrando as nascentes de água, grilando as terras indígenas. Hoje o bioma cerrado na região do MATOPIBA é um verdadeiro deserto tomado pela monocultura de soja. A estrada somente beneficia as empresas multinacionais de grão.
A região viu o custo de vida aumentar exponencialmente e aumentando os índices de empobrecimento da população, o PIB celebrado pelo governo do Estado não se converte em crescimento socioeconômico para população. Agora a comunidades indígenas e tradicionais se veem ameaçadas pela expansão da fronteira agrícola. Afirma Dona Natividade Gamela – Presidente da Associação Indígena de Laranjeiras.
Estrada iria beneficiar o agronegócio
De acordo com o Governo do estado, as obras de implantação e pavimentação asfáltica da rodovia PI-392 seria para facilitar o escoamento da produção de grãos na região dos Cerrados. A obra está sendo executada pela Secretaria de Estado dos Transportes (Setrans).
A Setrans aguardava a análise e aprovação da readequação do projeto executivo da obra pela Caixa Econômica Federal (CEF) para iniciar os trabalhos. Com as alterações, o Lote 1, com previsão inicial de 15 quilômetros, teve a extensão ampliada para 30 quilômetros. Já o Lote 2, antes com 34 quilômetros, terá 19 quilômetros de extensão. Os dois lotes totalizam 49 quilômetros.
Ao todo, serão investidos R$ 86 milhões no trecho, sendo R$ 38,3 milhões no Lote 2, com as obras iniciadas, somados a R$ 47,7 milhões já garantidos para o Lote 1. Os trabalhos são executados pela Setrans, através de convênio com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), com recursos de emenda parlamentar do senador Marcelo Castro. A liberação dos repasses será feita pela Caixa.
SEMARH-PI e SETRANS, emitiram licenças irregulares
De acordo com a Associação Indígena Gamela, por várias vezes, as lideranças território foram assediadas pelos órgãos do Governo do Estado, que tentaram convencer os indígenas sobre a necessidade da estrada. As secretaria de meio ambiente (SEMARH) e de trânsito (SETRANS/PI) aparecem na Ação Civíl Pública protocolada pela Defensoria Pública da União como como violadoras do direito indígena, ao conceder licença irregular ao Consórcio Hidros/Ótima. Na ACP o procurador Federal, afirma ainda que os indígenas informaram que não houve consulta prévia, livre e informada como prever a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre a autorização para construção da estrada dentro da terra indígena.
Mobilização garantiu vitória da comunidade
As movimentações da comunidade iniciaram logo após o início das obras. Em março de 2024, depois de várias denúncias da Associação Indígena Gamela de construção irregular da estrada, a comunidade recebeu o Defensor Federal da União (DPU), Dr. Rômulo Plácido, professores e extensionistas da Universidade Federal do Piauí (UFPI) que atua com atividades formativas e no fortalecimento da organização indígena Gamela por meio do projeto de extensão “Universidade Popular”.
O objetivo era fazer uma escuta qualificada da denuncia e fazer uma visita em lócus com os indígenas Gamela na construção irregular da estrada dentro da terra indígena, estar registrado na Ação Civil Pública (ACP): “conforme inicial, o Estado do Piauí iniciou as obras em fevereiro de 2024, com máquinas realizando a supressão vegetal de uma parcela do território na área correspondente a um trecho transversal à estrada não pavimentada (PI-392) já existente, com a finalidade de melhoramento no escoamento de grãos cultivados na região. Além disso, o trecho em questão teria destruído áreas de roçado utilizadas tradicionalmente pelos indígenas”, afirma o documento.
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