Em se tratando de mulheres, a força, a energia e a proteção umas às outras são elementos que não faltam. Na Ilha Grande do Piauí, antigo Morros da Mariana, desde quando o vilarejo começou a ser povoado, as mulheres se ajudam, se abraçam e se engrandecem. Prova dessa sororidade (solidariedade, afeto e empatia entre meninas e mulheres) está na história das parteiras tradicionais, que auxiliavam as mulheres grávidas a trazer ao mundo as vidas que formaram a população da região.
Nessa segunda história da série Culturando nos Morros da Mariana, quem nos conta como era o trabalho dessas importantes mulheres é a Aparecida Fernandes da Silva. A mãe de Aparecida, dona Maria Eunice Fernandes da Silva, teve dois filhos nascidos pelas mãos de parteiras e diz que se “vieram ao mundo com saúde é graças às mulheres que ajudaram”.
O Projeto Culturando nos Morros da Mariana é desenvolvido com o apoio do Sistema de Incentivo à Cultura (SIEC) da Secretaria de Estado de Cultura do Piauí, patrocínio da Equatorial Energia e parceria da Colônia de Pescadores Z 7. Para saber mais do projeto clique aqui.
E segue a história…
Parteiras: saberes, práticas e histórias da vida chegando
Aparecida Fernandes da Silva
“A importância da parteira na hora do parto era fundamental. Era muito importante porque era a parteira que fazia o parto para a criança nascer. E era emocionante fazer parte de um parto”. Esse é o depoimento da dona Ana do Nascimento Lima, mais conhecida como dona Alice, que contou a história da sua avó, Dona Aninha, parteira lá pelos anos de 1930.
Dona Alice me contou que naquela época, as parteiras faziam o parto das mulheres em casa, pois não havia médicos no interior. E as mulheres se cuidavam umas das outras. E cuidavam dos filhos de todas também.
As parteiras tomavam todo o cuidado na hora de uma mulher parir. Cuidavam tanto da criança como da mãe. E usavam o seu conhecimento de plantas medicinais para fazer o parto. Por exemplo, usavam o azeite da mamona nas partes íntimas da mulher para facilitar na hora da criança nascer.
Quando chegava a hora, um dos procedimentos que as parteiras usavam era o do tamborete (banco) deitado. Nele, as gestantes se sentavam, abriam bem as pernas e a parteira colocava um penico debaixo da grávida para não ter o perigo da criança cair no chão na hora que vinha nascendo.
Dona Alice conta que “tirava um pedaço da casca da cana, bem fininho e utilizava para cortar o cordão umbilical. Depois esquentava um pedacinho de pano na lamparina, enrolava o pano, melava de azeite de mamona e enrolava a ‘tripa’ do umbigo da criança naquele pano”. Explicou a parteira.
Os cuidados com o umbigo da criança depois do parto, dona Alice explica que eram assim: “banhava a criança até o sexto dia. No 7° dia não banhava porque, na visão delas, era arriscado a criança adoecer. Mas, todos os dias era preciso ver se o umbigo estava bom (cicatrizando). Se estivesse, ele podia cair com cinco dias ou com sete dias”.
Os partos eram em casa porque só paria em hospital naquela época, era quem tinha uma boa condição de vida. Outros casos de a mulher ir dar à luz no hospital era em caso de risco morte e quem tinha Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), que era o benefício das pessoas do interior.
A minha mãe, a Maria Eunice Fernandes da Silva, tem 79 anos, teve 17 filhos, só dois em casa. Mas, era porque ela sofria muito com os partos. Como ela tinha Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), ela conseguia ir para o hospital. Mas, as parteiras sempre ficavam cuidadosas com ela. Maria Eunice sentia muitas dores e tinha muito medo. Inclusive, uma das vezes que precisou parir em casa, ela teve as dores bem na hora que ia ‘conserta’ (limpar) um monte de peixe. Sentiu muita agonia. As parteiras ajudaram e deu tudo certo para a minha irmã, Maria de Lourdes Fernandes da Silva, nascer.
A minha avó acredita que se não fossem as parteiras, as mulheres sofreriam mais na hora dos filhos nascerem e muitas crianças poderiam nem nascer.
Aqui na Ilha, havia muitas parteiras na época que aprendiam com suas mães e avós. Tinha, pelo menos, uma em cada bairro. Algumas de quem minha mãe lembra são a dona Belia e Maria Bernarda, no bairro Cal; Maria Barra Grande e Raimunda Seba, no Tatus; dona Brozina no Baixão e aqui no Morros da Mariana eram a dona Benta, Fina Libanha e a Lucélia Reis.
Comments (1)
Lourdessays:
29 de junho de 2021 at 3:27 PMRealidade vivida por muitos até meados dos anos 80 na nossa região!