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Pela 2ª vez, TRF-1 suspende decisão judicial e reautoriza funcionamento de resort de luxo na Ponta do Socó

Reportagem: Tânia Martins | Edição: Luan Matheus Santana

A história se repete mais uma vez. Mesmo diante de um conjunto robusto de provas contra o empresário Fábio Jupi, que embasaram por duas vezes (em 2023 e 2025) a decisão do Juiz Federal José Gutemberg de Barros Filho, da Subseção Judiciária Federal nde Parnaíba, de suspender as obras do Resort Socó Beach, o processo é barrado pelo Tribunal Regional Federal da 1° Região – TRF1.

Considerada como “absurda” por ativistas ambientais e movimentos sociais,  a decisão do Desembargador Federal João Carlos Mayer suspendeu a determinação do Juiz Federal José Gutemberg, de 12 de maio de 2025, que autorizou a imediata desocupação do resort Socó Beach, no município Cajueiro da Praia, litoral do Piauí, por prática de vários crimes ambientais e constitucionais, entre eles: o desmatamento de mais de 5 hectares de terra, desmatamento de área de mangue, cercamento e a instalação de portões restringindo acesso à praia, edificações em áreas de embargo, construção de contenção de cimento e pedra, entre outras. Foram 21 intervenções, ao todo, segundo apontaram relatórios da Secretaria de Meio Ambiente (SEMARH) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade  (ICMBio).

Para o desembargador, a desocupação do imóvel “vai comprometer a geração de renda, manutenção de empregos e à subsistência da municipalidade”, afirmou na decisão. 

O que não consta na decisão do desembargador é que no luxuoso resort de Fábio Jupi  a mão de obra absorvida, mais de noventa por cento, é de fora do território. Não que os nativos de Cajueiro da Praia sejam todos empregados, na verdade, a maioria é  formada por pescadoras e pescadores que, apesar de não viverem confortáveis com o pouco que ganham, se negam a trabalhar em qualquer empreendimento do empresário Fábio Jupi. 

A relação dele com a comunidade é de conflito e violência. Jupi é um velho conhecido da maioria da população local de Cajueiro e conhecido por ser um sujeito violento, arrogante, truculento – inclusive com seguranças armados – e desrespeitoso com os nativos, principalmente pescadoras, pescadores e agricultores que ali habitam as terras da União há décadas, desde seus mais longínquos antepassados. Terras essas que vêm sendo griladas ao longo dos anos. O empresário, inclusive, há tempos vem sendo investigados em diversos casos de grilagem na região.

Causa estranheza a decisão do desembargador João Carlos Mayer pelo fato de Fábio Jupi ter comprovadamente cometido diversos crimes ambientais e constitucionais apontados em laudos da Polícia Federal publicado em relatório em 2021, ano que o empresário ocupou ilegalmente 52 mil metros quadrados, desmatado áreas de mangue, vegetação nativa incluindo carnaúbas, protegidas por lei. O relatório da Polícia Federal aponta que o empresário realizou 21 intervenções de grandes impactos em três hectares sensíveis ambientalmente e que estava sob a responsabilidade do ICMBio. Área que foi ocupada pelo empresário com a contribuição da Prefeitura de Cajueiro da Praia, para que instalasse o luxuoso resort, hoje, frequentado por ricaços, famosos do mundo de celebridades e por juristas do alto escalão da República. 

Empresário Fábio Jupi. Arquivo Pessoal

A Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Parnaíba bem que vem tentando enquadrar Fábio Jupi nos crimes praticados, decretando que desocupe a área e aplicando multas. Porém, o empresário apela para o Tribunal Federal da 1° Região, em Brasília, e por lá consegue suspender as apelações da Vara Federal. Assim aconteceu em 2023, assim aconteceu agora novamente.

 De acordo com o desembargador José Carlos Maye, a ação popular ajuizada para recuperar a área pública, não foi incluída na reunião dos feitos, o que, segundo alega, “compromete o exercício do contraditório e da ampla defesa, além de representar violação ao princípio da prevenção processual”. 

O desembargador justifica também que levou em consideração várias peças processuais escritas por ministros, juízes e desembargadores sobre desocupação de imóveis. Entre eles cita o relatório do desembargador federal piauiense, Carlos Augusto Brandão sobre desocupação de imóvel e imissão de posse. “ao menos, a princípio, não se mostra recomendável nem razoável que situação consolidada ao longo do tempo seja desconstituída de forma abrupta de por meio de decisão singular, ao menos até o exame da demanda pelo colegiado do órgão revisional”.

Para o magistrado, “a paralisação forçada das atividades comerciais e turísticas locais são, em regra, irreversíveis ou de difícil recomposição”, considerou, acrescentando que parar as atividades do Fábio Jupi, se trata de um retrocesso “da região como destino turístico de relevante expressão nacional, mas na repercussão econômica e social da ordem judicial impugnada, a ostentar potencial gravidade lesiva à comunidade local que se beneficia do fomento à atividade turística que será impactada”.

Ponta do Socó, um santuário ecológico ameaçado

Um ecossistema raríssimo, que guarda as memórias de povos pré-históricos que habitaram o nosso litoral há mais de 8 mil anos e que é berçário de animais ameaçados de extinção, está sendo devastado pela ganância do turismo predatório.

As imagens de satélite mostram duas realidades: uma Ponta do Socó verde e preservada em 2017, e outra, quase completamente devastada, em 2024. Desmatamento de manguezais e construções em uma área de proteção ambiental escancaram a fragilidade da nossa legislação.

A região já estava inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) do Delta do Parnaíba, mas, em 2022, foi oficialmente reconhecida como área de proteção integral, a partir da criação do Monumento Natural dos Itans. Mas essa proteção foi duramente enfraquecida em 2024. A aprovação do Projeto de Lei Ordinária (PLO) 113/2024, pela Assembleia Legislativa do Piauí, rebaixou o Monumento para a categoria de Área de Proteção Ambiental (APA). Na prática, a mudança flexibiliza as regras de uso da terra, reduzindo a área de preservação de 70% para 30% e eliminando exigências, como o licenciamento ambiental para diversas atividades econômicas.

O resultado foi o surgimento de novos empreendimentos na região. O ICMBio identificou, entre 2022 e 2024, oito pontos críticos onde a degradação ambiental avançou. Destes, cinco sofreram severas intervenções, sendo que apenas um — Ponta do Socó — está dentro dos limites do Monumento.

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