Em vinda da Ministra da Mulher, Maria Aparecida Gonçalves, ao Piauí organizações populares apresentam uma série de reivindicações, em carta, para proteção de mulheres negras e empobrecidas.
Na ocasião, Maria Lucia Oliveira, presidenta do Centro de Defesa Ferreira de Sousa, entregou carta reunindo as denúncias sobre fome, violência policial, estupros, violência dos mais diversos tipos contra as mulheres cis e trans que as mulheres pretas vem passando no Piauí.
Os casos mais simbólicos foram exacerbados tais como a violência policial de cunho transfóbico sofrida por Paloma Amaral, até hoje sem respostas por parte do Governo do Estado ou qualquer órgão oficial. A carta também lembra a situação da idosa Maria das Dores da Silva Machado que foi expulsa de sua própria casa onde morava há 30 anos, teve a residência demolida em plena pandemia.
A situação de tantas Janainas violentadas diariamente ou mesmo de crianças obrigadas a dar a luz crianças fruto de estupros, também foram escandaradas, além da falta de moradia e falta de condições de vida digna vivenciada pelas mulheres em comunidades ou ocupações urbanas.
É um grito de socorro, mas mais do que isso, é também um grito de basta e exigência pelo cumprimento dos direitos das mulheres.
A carta é assinada pelo Centro de Defesa Ferreira de Sousa e pela OPA- Organização Popular.
Leia carta na íntegra:
Excelentíssima Ministra da Mulher, Maria Aparecida Gonçalves,
Venho em nome de todas as mulheres trabalhadoras, pretas, empobrecidas e periféricas piauienses pedir-lhe socorro. O Estado do Piauí tem tratado as questões das mulheres com muita indiferença, os noticiários tem mostrado um feminicídio atrás do outro, violência sexual contra mulheres e crianças e o dia a dia nas comunidades é de muito desespero pela fome, falta de emprego, segurança e moradia e nenhuma política pública implementada tem nos alcançado de fato para além de ações pontuais.
Peço que olhe para a nossa situação e de nossos filhos, com tanta violência e desemprego, são constantes os corpos que caem em meio a esta guerra. Sofremos aqui desde o momento do parto onde recentemente a situação de nossas maternidades extremamente precarizadas Hospital do Buenos Aires (Zona Norte) e Maternidade Wall Ferraz (Zona Sudeste) chegaram ao limite de serem fechadas em Dezembro por falta de profissionais e insumos após a morte de um recém nascido (Buenos Aires). As maternidades do Piauí estão criando fama de abatedouro, a violência e o descaso com as gestantes são pautas recorrentes no estado.
Nossas crianças quando conseguem nascer não estão seguras e tem seus direitos constantemente desrespeitados, como é o caso da criança de 11 anos que está grávida pela segunda vez, vítima de estupros, o conselho tutelar devolveu a criança para o pai, que novamente decidiu negar o direito da criança de abortar em caso de estupro, forçando-a a uma segunda gravidez. O caso dela não é isolado, mas um retrato da exploração sexual infantil e das falhas dos órgãos de proteção à criança e ao adolescente no nosso estado.
Quero abrir um adendo para lhe pedir que lute contra a Lei da Alienação Parental que tem devolvido crianças aos seus abusadores. São tristes os casos em que as crianças são arrancadas das mães e entregues aos pais que lhe abusaram por ordem judicial.
É com muita revolta e dor que denuncio a situação das mulheres do “inferninho” sem moradia digna, debaixo de barracos sem saneamento básico, e as mais de 45mil famílias lideradas em sua maioria por mulheres que estão dentro das ocupações urbanas em Teresina temendo o despejo a qualquer momento. Essa questão da moradia tem sido muito debatida nos últimos anos, muitos atos públicos, muitas cartas entregues e nenhuma solução apresentada.
Um exemplo do desrespeito ao direito das mulheres é da idosa Maria das Dores da Silva Machado que foi expulsa de sua própria casa onde morava há 30 anos, teve a residência demolida em plena pandemia numa ação ilegal de reintegração de posse, desde 2021 dona Maria está sem casa e sem resposta do judiciário. Queremos justiça para Dona Maria!
Em Teresina, a situação econômica das mulheres também não é boa, sem emprego, suporte do Estado ou formação, muitas vivem do último, catando lixo para comer no Aterro Sanitário de Teresina, a situação está crítica, mais de 400 catadores trabalham no lixão e as mulheres estão ainda mais vulneráveis pois a prostituição tem se tornado recorrente no local. As trabalhadoras do lixo estão adoecidas pelos gases produzidos pelo chorume, estão se alimentando de produtos vencidos e contaminados por falta de opção, para não deixar suas famílias morrerem. O poder público tem fechado os olhos para o que acontece dentro do lixão.
Sobre a violência contra a mulher, o atendimento nas delegacias é desumano, faltam policiais mulheres, e quando chegamos às delegacias somos descreditadas. O atendimento por parte dos policiais civis e delegados que induzem as mulheres a não representar, quando o crime é de ação pública condicionado a representação. Muitas das vezes não recebem a denuncia e ainda pedem para que ocorra a reconciliação com o agressor. Falta uma capacitação para o atendimento humanizados das vítimas. Há um déficit no atendimento especializado no atendimento dos policiais militares ao receber ocorrências de violência contra a mulher.
Os próprios canais de denúncia existem somente no papel, na prática não funcionam. Se as mulheres hoje são violentadas e mortas no Piauí em grande parte é culpa do Estado que não se preocupa com a eficiência dos serviços de atendimento e segurança das mulheres. As ações midiáticas são muitas, até viatura lilás compraram, mas as mulheres continuam sendo destratadas dentro das instituições.
Outra grave violação de direitos foi o caso de Paloma Amaral, que foi mantida presa dentro do porta malas de um carro e submetida a espancamento e tortura por um grupo de homens, na última segunda-feira (19/07/2021), no bairro São Joaquim, zona norte da cidade. O mais estarrecedor é que o caso aconteceu na presença da Guarda Civil Municipal de Teresina, que nada fez para evitar as agressões. Até hoje aguardamos respostas sobre o caso de Paloma.
Excelentíssima Ministra, pedimos ajuda para que se faça cumprir a lei dentro do nosso Estado, para que as instituições se comprometam de fato com a defesa da vida das mulheres, estamos sofrendo com a violência, com a fome, com o desemprego e a falta de moradia. Queremos ser ouvidas nos espaços de decisão, queremos politicas públicas que garantam nossa sobrevivência e o nosso bem viver. Precisamos que essa cobrança venha também de cima, pois nossa parte temos feito de cobrar dos governos que protejam e cuidem daquelas que são as mantenedoras desse país, nós mulheres carregamos o Brasil nas costas, exigimos respeito.
Certa de que nossas vozes serão ouvidas, agradeço a atenção e o respeito.
Atenciosamente,
Centro de Defesa Ferreira de Souza
OPA – Organização pelo poder popular
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