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Pesquisadores identificam contaminantes de petróleo e agrotóxico no Delta do Parnaíba

Pelas águas do único Delta das Américas – o Delta do Rio Parnaíba, entre os estados do Piauí e Maranhão – correm ecossistemas singulares, entrecortados por baías e estuários. Por lá também correm os barcos e canoas em busca dos peixes, crustáceos e moluscos de cada dia, que enchem a mesa de alimento e é sustento financeiro de boa parte dos homens e mulheres que vivem nas mais de 70 ilhas espalhadas pelos 2.700 quilômetros quadrados do Delta. Mas, infelizmente, não é apenas isso que corre por suas águas: em março deste ano, pesquisadores concluíram uma série de estudos que comprovaram a presença de contaminantes oriundos do Petróleo e de Agrotóxicos nos sedimentos (a areia do fundo do rio), peixes, caranguejos e sururus da região. 

A pesquisa foi conduzida pela bióloga e doutoranda em Ciências Marinhas Tropicais da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luiza Costa Mello. Segundo ela, o projeto teve início em 2021, as coletas dos materiais analisados foram feitas entre novembro de 2021 e julho de 2022, no Delta do Parnaíba, mais especificamente na Ilha das Canárias. A publicação completa dos resultados deve sair em breve, em revista científica da área, mas Luiza adiantou ao “Ocorre Diário” os principais elementos identificados. 

“A contaminação no sedimento pode contribuir para a contaminação da biota, principalmente no sururu, caranguejo e peixe bagre, que são organismos bentônicos, que vivem no sedimento ou em contato direto com o sedimento. Então tem essa potencialidade de transferir o contaminante para esses organismos. E o sedimento, ele também, é um ambiente que retém muito esses contaminantes de difícil degradação”, explica a bióloga. 

Seu Dedé, pescador – Acervo Pessoal

O resultado surpreendeu e indignou quem vive por lá. Seu Dedé é pescador antigo da Ilha das Canárias. Antes dele, seus pais e avós já ocupavam essas terras, que neste ano completa 218 anos de existência. Um território ancestral. “As coisas sempre foram difíceis pro nosso lado. A gente procura sobreviver, mas sempre tem algo pra atrapalhar. Não é um resultado esperado, mas todos temos que ter essa consciência, que nós dependemos da natureza e muitos não se preocupam com esse lado. Pensam em encher a barriga hoje, mas esquecem do amanhã”, afirma o pescador. 

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A Ilha das Canárias está localizada no município de Araioses – MA, ficando dentro da Reserva Extrativista (Resex) Marinha do Delta do Parnaíba, que tem áreas dentro dos dois estados (PI/MA). A Resex é uma unidade de conservação federal, sob responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A Ilha das Canárias é a segunda maior do Delta, com aproximadamente 3000 moradores distribuídos em 5 povoados: Caiçara, Torto, Passarinho, Morro do Meio e Canárias, o maior e mais populoso. No entanto, essa UC também não tem ainda seu instrumento principal de gestão, que é o Plano de Manejo, mesmo depois dos seus mais de vinte anos criada.

Apenas no ano passado, o Delta do Parnaíba registrou um fluxo de quase 70 mil turistas ao longo do ano, de acordo com o ICMBio. Apesar do alto número de pessoas que entram e saem da reserva todos os dias, o trabalho de conscientização sobre a preservação do território ainda é deficitário. “Não tem nenhum plano nesse sentido, há apenas ações pontuais de conscientização, mas muito pouco”, afirma Luciano Galeno, turismólogo e membro do Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP. 

Para os pescadores, pescadoras, marisqueiras interessa a proteção do Delta e toda a sua biodiversidade, porque é de lá que depende a sua sobrevivência. “Sabemos que muitas coisas são despejadas no nosso habitat e esse habitat é nossa sobrevivência. Mas esses estudos são importantes, inclusive, pra gente levar essas pesquisas para as autoridades, porque é um pouco preocupante para o nosso meio e para toda a sociedade”, afirma Dedé. 

Nossa reportagem questionou o ICMBio sobre a fiscalização na região, como sugeriu o seu Dedé. Entretanto, por meio de nota, o órgão preferiu não se pronunciar, alegando não ter ainda conhecimento dos dados completos do estudo. “Assim que forem todos disponibilizados, poderemos avaliar as medidas a serem adotadas”, afirma a nota.

Bióloga Luiza Costa Mello, em coleta de pesquisa. Foto: acervo pessoal/Luiza Costa Mello.

Saúde humana: os riscos são potenciais, mas não iminentes

Na pesquisa foram observados os riscos toxicológicos (ou seja, a probabilidade de aparecer um efeito nocivo devido à exposição a uma substância química perigosa) e os danos ecológicos (aqueles relacionados ao ecossistema). Pelo sedimento foi possível identificar a acumulação de contaminantes (hidrocarbonetos alifáticos e policíclicos aromáticos), derivados do petróleo e componentes de agrotóxicos, como pesticidas e herbicidas. 

Já para os animais, a equipe de pesquisa analisou também a bioacumulação dos contaminantes, ou seja, a forma como essas substâncias vão sendo transferidas entres os animais, dentro da cadeia alimentar. “O Sururu foi contaminado inicialmente com o hidrocarboneto que estava no sedimento, depois o caranguejo come o sururu, o peixe come o caranguejo e a gente come o peixe. Isso eleva a questão de risco à saúde humana, principalmente dessas populações tradicionais”, explica. 

Evidentemente a pesquisa não dá conta de confirmar que todos os peixes, caranguejos e sururus estão contaminados. Foram analisados 10 peixes, 10 caranguejos e 2 quilos de sururu. “Apesar de ser suficiente para a gente ter essas diferenças significativas, não é suficiente para a gente bater o martelo e falar que isso realmente é um risco iminente, sabe? A saúde dessas populações, essa tem sim um risco potencial, mas não é um risco iminente agora”, afirma a pesquisadora. A presença desses contaminantes, ainda que mínima, já liga um sinal de alerta importante para cobrar um reforço nas fiscalizações e ações mitigatórias.

Pesca artesanal – Delta do Parnaíba. Foto: Luciano Galeno

Risco ao meio ambiente e alteração de DNA animal

Os pesquisadores também se dedicaram à análises de biomarcadores moleculares biológicos. O que seria isso? Em vez de ser um impacto já aparente, como a bioacumulação dos contaminantes presente no músculo dos animais, esses biomarcadores moleculares vão mostrar os impactos causados dentro das células. 

“Então é um impacto mais precoce que a gente consegue dizer. E a gente consegue analisar, então, o dano em DNA. Como estes compostos interagem com a gordura, por isso que eles ficam armazenados no músculo e em outros órgãos, eles vão causar danos na membrana plasmática. E aí isso pode causar o rompimento da célula e aí pode afetar também o material genético desses animais”, afirma a bióloga Luiza Costa Mello. 

Segundo ela, os resultados mostraram danos em DNA significativos, entretanto a quantidade de animais testados ainda é baixa para dizer que isso vai afetá-los diretamente em escala populacional

Análise de diagnósticos da pesquisa. Foto: acervo pessoal/Luiza Costa Mello.

Presença de pesticidas e herbicidas preocupa

A pesquisa também fez análises no sedimento e nos organismos dos animais para confirmar a presença de outros contaminantes. Entre os identificados, os que apresentaram maiores concentrações foram os pesticidas organoclorados, como a atrazina, que é o segundo herbicida mais utilizado no Brasil, embora banido em oito países.

“Como os sururus são organismos filtradores, eles entram muito contato com o sedimento e com a água, que tem esses contaminantes. Os peixes, eles acabam comendo de tudo e conseguem absorver bastante esses compostos. Mas o caranguejo, outros estudos também mostram que eles não são bons retensores ou bons animais para a gente fazer esses estudos, porque eles não retém tanto, eles podem tirar um pouco dessas excretas, desses contaminantes, pelo seu exoesqueleto”, afirma Luiza.

Foto: acervo pessoal/Luiza Costa Mello.

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