“A gente entendeu como um retrocesso, porque foi muita luta pra gente ter esse centro de referência. A gente não apoia, a gente não gostou”, desabafa Célia Gomes, Conselheira Municipal da Mulher e presidente da Associação das Prostitutas do Piauí (APROSPI), sobre a decisão da Prefeitura Municipal de Teresina de encerrar os serviços oferecidos pelo Centro de Referência da Mulher em Situação de Violência Esperança Garcia (CREG). Os trabalhos foram encerrados na última sexta-feira (15), de acordo com informações da Ação Social Arquidiocesana (ASA), entidade responsável pela execução do serviço.
Inaugurado em 2015, o CREG atendia atualmente cerca de 450 mulheres em situação de violência doméstica, familiar e de gênero, com idades entre 18 e 59 anos. Mulheres que agora encontram-se sem uma política efetiva de proteção a suas vidas. Sendo o único equipamento público da cidade de Teresina a atuar diretamente na proteção das mulheres em situação de violência, o encerramento do contrato representa também um risco à vida de centenas de mulheres que encontraram no centro um caminho possível de romper com esse ciclo.
Somente entre janeiro e junho de 2023, foram realizados 1176 atendimentos às mulheres em situação de violência em Teresina. É como se a cada 4 horas uma mulher procurasse o centro em busca de acolhimento. Acolhimento esse que não existe mais na capital de um estado com um dos maiores índices de feminicídio do país. Entre janeiro e setembro de 2023, uma mulher foi assinada no estado a cada 13 dias. O motivo? Ser mulher!
Em nota, a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres – SMPM, afirmou que o serviço de atendimento às mulheres vítimas de violência será realizado por meio de um núcleo de atendimento para as mulheres, que deve funcionar em caráter temporário até a entrega da Casa da Mulher Brasileira, que irá abrigar esse serviço. Apesar disso, os movimentos de mulheres questionam a decisão e ainda as reais condições de uma secretaria, com orçamento tão pequeno e diversas outras demandas, conseguir gerir um serviço que demanda pelo menos 12 profissionais com atendimento integral, profissionais esses que foram demitidos após a decisão da Prefeitura.
“A gente entendeu que não foi legal, porque quando nossas mulheres, da periferia, quiserem fazer suas denúncias ou procurar os serviços, elas vão ter dificuldades, pela questão de deslocamento, dos ônibus, não fica viável, não fica central. O que deveria ter acontecido era manter o serviço até a inauguração da casa da mulher brasileira”, afirma Célia Gomes.
“Estamos diante de um retrocesso e, como tal, é inaceitável”, afirma Madalena Nunes, da Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio
Em nota, a Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio classifica a decisão da Prefeitura Municipal de Teresina como um “violento gesto institucional”, que compromete conquistas sociais que integram o sistema de seguridade social e vão na contramão da defesa e proteção à vida das mulheres e dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do Centro de Referência da Mulher em Situação de Violência Esperança Garcia.
“Desrespeita trabalhadoras e trabalhadores que prestavam serviços àquele órgão – uma equipe de profissionais qualificada, que é demitida sem nenhum direito. Não podemos perder espaço de atendimento, quando estamos numa sociedade violenta e machista, que nos mata e nos estupra todos os dias. Para onde vão essas mulheres que estavam sendo atendidas? Para onde irão outras em situação de violência?”, questiona Madalena Nunes.
De acordo com Madalena, com essa medida, a prefeitura mostra o seu perfil machista, misógino e descomprometido com a pauta das mulheres e da luta pelo fim da violência de gênero. “A Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio repudia essa posição da prefeitura e contamos com uma ação urgente das autoridades, em especial do Ministério Público, o governo do Estado e a própria prefeitura, para impedir que esse ataque às mulheres e a toda a sociedade seja revertido”, afirma.
Revitimização e regressão nas políticas de proteção
A ex-coordenadora do centro, Roberta Mara, classificou a decisão da Prefeitura como “lamentável”, diante do cenário cada vez mais violento para as mulheres em Teresina e no Piauí. Sem dar maiores informações, o ofício encaminhado à ASA informava apenas que o atendimento seria assumido temporariamente pela Secretaria Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres (SMPM). “Nós lamentamos o encerramento das nossas atividades, já que entendemos isso como uma forma de não continuidade ao atendimento prestado, o que gera uma revitimização dessas mulheres que já vêm de situações de violência, dentre outros obstáculos que podem acontecer devido a essa transição e ruptura do serviço”, disse.
O encerramento das atividades afeta diretamente as mulheres que são atendidas e aquelas que poderiam vir a ter necessidade de buscar um atendimento especializado. “Quando a mulher deixa de ter um local especializado, há uma regressão de políticas públicas para esse grupo. Apesar disso, nosso desejo é que as mulheres não se intimidem diante do atual cenário e continuem buscando romper com os ciclos da violência”, completa Roberta Mara.
Em março deste ano, a ASA havia assinado um termo de colaboração com a Prefeitura de Teresina com validade de seis meses. Ao final do prazo, várias mensagens foram trocadas entre as instituições buscando a renovação do termo. Carla Simone, secretária executiva da ASA, revela que a decisão da não renovação do contrato partiu da própria Prefeitura, causando uma grande surpresa. “Nós lamentamos a descontinuidade do serviço e a forma desrespeitosa que tudo isso aconteceu, já que não houve tempo para que as mulheres atendidas durante esses oito anos fossem comunicadas e referenciadas para outro serviço”, pontua.
Deixe um comentário