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Praia de Macapá/PI: pescadores se mobilizam contra despejos

Pelo menos cinco famílias de pescadores tradicionais nativos da praia de Macapá, litoral do Piauí, município de Luís Correia, receberam ordem de despejo após pedido de reintegração de posse para que deixem suas casas ainda em maio deste ano. Alguns moradores já estão no local há mais de quatro décadas, tendo criado filhos e netos. A comunidade teme que este seja o início de um processo para expulsar moradores nativos do local  e dar lugar aos grandes empreendimentos turísticos que não convivem com os modos de vida tradicionais.

Na última quinta-feira, 25/04, a comunidade se mobilizou e realizou uma manifestação demonstrando a força coletiva em favor do território tradicional, exigindo respeito e dignidade.

O processo que tem despertado a mobilização em defesa das moradias é o de nº 0000545-37.2008.8.18.0059, que se refere a reintegração de posse movida pelo Sr. Cícero Pereira dos Santos contra 5 (cinco) famílias históricas  da praia de Macapá. A ação foi movida em 2008 e após longa tramitação, o juiz Willmann Izaac Ramos Santos, publicou uma sentença em janeiro de 2018, concedendo a reintegração de posse em desfavor das famílias.

As famílias, no entanto, seguem em luta para não deixar seus modos de vida, devido a fragilidade do processo, já que a causa foi ganha mesmo sem comprovação de que o requerente detinha a posse anterior do imóvel.

Comprovação de posse se deu pela existência de uma cerca e vigília

O que Cícero Pereira dos Santos, senhor que reivindica as terras como suas, apresentou a seu favor foi apenas a cerca feita pelo antigo possuidor da área, o Sr. Abdias Nascimento, e o argumento de que periodicamente fazia vigílias ao imóvel.

O documento de compra e venda particular apresentado pelo Sr. Cícero é de 1997, mas apenas em 2007 ele registrou o documento em cartório, quando as famílias já ocupavam a área a mais de quatro anos, desde 2003. Sobre o tempo de permanência das famílias no local, é válido destacar que parte dos moradores lá estão bem antes desta data, mas alguns deles tiveram que mudar suas casas devido ao avanço do mar.

Maria da Paz, uma das moradoras atingidas pela ação, conta que mora na praia há 49 anos e seu pai, Leonel Paulino, 85 anos, por exemplo, já teve que se mudar algumas vezes dentro do território. “Meu pai tem mais de 60 anos que mora aqui. Como a gente é pescador, a maré vinha comendo a casa dele e a gente vem recuando”, explica Maria da Paz. A filha acrescenta que seu Leonel, neste local em que foi ameaçado de expulsão, já mora há mais de 20 anos.

Esta dinâmica do espaço é comum quando se trata de comunidades tradicionais pois há uma outra forma e necessidade de uso das terras. “Quando a gente chegou não tinha cerca, não tinha nada. Essa era a realidade de Macapá. Então ele fez a casa e meus irmãos também fizeram. Depois apareceu um rapaz se dizendo dono”, relembra Maria da Paz, acrescentando, que antes ninguém se importava com a praia “agora que começou a valorizar está aparecendo essas injustiças”.

Juiz justifica ausência de vigília em terreno por doença não comprovada

Na sentença que deu ganho de causa ao requerente Cícero, o juiz afirma: “O autor adoeceu e ficou impossibilitado de manter a vigilância constante e efetiva sobre o bem (…) Não ficando explícito o tempo decorrido desde a ocupação até quando o autor procurou a Delegacia de Polícia e registrou ocorrência e, posteriormente, ajuizou a presente ação…”

Sem qualquer comprovação, o juiz determinou a reintegração de famílias afirmando que o autor da ação, o Sr. Cícero teria adoecido, apesar de não haver qualquer atestado ou laudo médico que comprove essa afirmação. O próprio juiz reconhece que não há comprovação do tempo que se passou desde a ocupação das famílias até as ações feitas por Cícero para reaver a suposta posse do terreno, que era exercida a partir de uma “vigilância constante”.

Famílias buscam ajuda e órgãos públicos negam  

Após ida de policiais às casas das famílias, ainda em abril deste ano, as famílias procuraram a Defensoria Pública do Estado, no município de Luís Correia, mas lá foram informados de que não poderiam assumir o caso, pois já havia um advogado particular na causa. Mesmo as famílias argumentando que o advogado já havia deixado o caso e se mudado para outro estado, elas foram orientadas no órgão a buscar o Fórum de Luís Correia- Desembargador Augusto Falcão Lopes.

Após insistência de moradores na DPE, o órgão orientou que as famílias se dirigissem até o Fórum e solicitasse Revogação de Mandato, para que o advogado do caso fosse desabilitado, e então, se dirigissem novamente até a Defensoria para que fosse feito cadastro do caso, e a partir disso, pudessem atuar no caso. Ainda no Fórum, as famílias encontraram resistência por parte do atendente para proceder na produção de documento que desligaria o advogado particular do caso. 

Segundo a assessoria de comunicação, a DPE irá proceder a habilitação nos autos e tomar conhecimento do processo.

Foto: Google Maps

Cercar terreno configura posse ou especulação?

O ato de cercar uma área e a “vigilância constante”, não configuram o exercício do direito de posse, isso na verdade, demonstra que  Cícero utilizava esta área para especulação imobiliária em terras que sabidamente são de propriedade da União, o que não é protegido pelo direito brasileiro, mas aparentemente, essa prática ilegal tem sido protegida pelo poder judiciário diante desta decisão.

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