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O estreito vínculo das primeiras damas com o Tribunal de Contas do Estado (TCE)

Vagas vitalícias no conselho do TCE para primeiras damas se repetem na história recente do Piauí.

A deputada federal Rejane Dias (PT-PI) foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Piauí para ocupar o cargo de conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE). A sabatina aconteceu na última terça-feira (10). 

Além de deputada reeleita, Rejane é esposa do ex-governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que  comandou o Estado por quatro mandatos, incluindo o mais recente, entre 2018 e 2022. Ela não é a única primeira dama a ser indicada e aprovada para a função do órgão que é responsável pela análise e fiscalização das contas e patrimônios pertencentes ao Estado, a atual presidente do TCE, Lílian Martins, também era primeira dama quando assumiu vaga no conselho.

A indicação de Rejane Dias como conselheira do TCE foi feita por Rafael Fonteles (PT), atual governador do Piauí, sucessor eleito em 2022 e ex-secretário estadual de Fazenda de Wellington Dias. A vaga ocupada por Rejane era de Olavo Rebelo, de 68 anos, que pediu aposentadoria voluntária.

Foto: Reprodução Alepi

No histórico político de Rejane Dias está a gestão em cargos do próprio governo do Estado como os de coordenadora estadual para Integração da Pessoa com Deficiência entre 2003 e 2008; de secretária estadual de Assistência Social e Cidadania entre 2005 e 2006; e de secretária estadual para Inclusão da Pessoa com Deficiência, entre 2008 e 2010. Nas eleições de 2010, Rejane se candidata à deputada estadual, é a segunda mais votada do pleito e, em seguida, se torna a líder do PT na Assembleia Legislativa.

Na eleição desta terça-feira (10) para conselheira do TCE, Rejane passou por sabatina na Assembleia Legislativa Estadual do Piauí (ALEPI) onde foi eleita por unanimidade (ninguém votou contrário) pelos 25 deputados estaduais presentes.

Quem assume a vaga de Rejane Dias na Câmara Federal? Com a saída de Rejane, que foi reeleita nas Eleições 2022, Merlong Solano (PT), 1º suplente, assume a vaga de deputado federal. Assim como Rafael Fonteles e Rejane Dias, Merlong também foi secretário nas gestões de Wellington Dias no governo do Estado.

O estreito vínculo oligárquico

Dos livros de História, resistindo até os dias atuais, a oligarquia continua sendo uma ameaça para a jovem democracia do Brasil. A falta de independência e de diversidade dos representantes nos espaços públicos mistura os interesses coletivos e familiares, concentrando cargos, vagas e poder nos órgãos públicos do Estado Democrático. Essa concentração vai das vagas nas Câmaras de Vereadores e das secretarias das prefeituras municipais das cidades até os representantes eleitos e seus suplentes no Congresso Nacional. 

Em setembro, véspera das Eleições de 2022, o OcorreDiário chegou a publicar uma matéria que mostra esses laços resistentes e que se renovam de pai para filho, de marido para mulher. Leia também: Em nome do pai, do filho e de quem mais vier depois: como o poder se concentra nas mãos de poucas famílias no Piauí

No caso do TCE-PI, uma suposta coincidência coloca lado a lado as duas últimas conselheiras eleitas para o Tribunal: Lilian Martins e Rejane Dias, ambas vinculadas à partidos que há duas décadas dão as cartas no jogo político piauiense; ambas ocuparam cargos de secretária de estado e foram eleitas deputadas; ambas, esposas de ex-governadores e, por eles ou seus sucessores, foram indicadas ao cargo.

A mesma oligarquia que hegemonizou a política local, indica e faz aprovar, integrantes do mesmo grupo político para atuar junto a um órgão, em tese, independente e que deveria julgar e fiscalizar as contas do estado com transparência e sem vinculações diretas. 

Lilian Martins: da queda à redenção

No Piauí, além de Rejane Dias, Lilian Martins também está na lista de primeira dama, ex-secretária de governo e deputada, a compor o conselho do TCE do Piauí.

Lilian Martins foi deputada estadual por dois mandatos e secretária de Estado da Saúde do Piauí durante a gestão do seu esposo Wilson Martins (PSB). Wilson Martins foi vice-governador de Wellington e assumiu o governo do Estado após o petista renunciar ao mandato para concorrer ao Senado.

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Em abril de 2012, Lilian se juntou a uma lista de 14 nomes e foi eleita pela Alepi como conselheira do TCE Piauí. Na época, Wilson Martins estava no comando do governo do Estado e a candidatura e eleição de Lilian foi duramente criticada. Apesar das críticas, ela manteve seu nome e foi eleita. Ela ocupou a vaga deixada pelo conselheiro Xavier Neto, que morreu em acidente aéreo.

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A eleição de Lilian Martins chegou a ser alvo de ações na Justiça. Uma juíza da 5ª Vara Federal considerou ilegal a nomeação e acatou alegações da OAB que, na época, entrou com uma ação apontando que o princípio de impessoalidade e moralidade teria sido infringido com a nomeação da primeira-dama.

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A redenção de Lilian chegou. Ela recorreu e, de afastada do cargo pela Justiça Federal, em 2020 foi eleita, por unanimidade, presidente do Tribunal de Contas do Estado do Piauí para o biênio 2021/2022.

Conselheira Lilian Martins durante a sessão especial para a eleição da nova diretoria do TCE/PI. Foto: Reprodução TCE

Casos também ocorreram em Alagoas e no Amapá 

Em dezembro de 2022, Assembleia Legislativa de Alagoas aprovou a indicação de Renata Calheiros para o cargo vitalício de conselheira do TCE-AL. Renata é esposa do ex-governador e senador eleito Renan Filho (MDB) e nora do senador Renan Calheiros (MDB), ambos por Alagoas. Assim como as demais primeiras damas, Renata Calheiros também tem em seu histórico político a gestão em cargos públicos durante a administração de seu esposo no executivo estadual.

Calheiros ao lado de Renan Filho, ex-governador pelo MDB. Foto: Reprodução Instagram

Também em 2022, dessa vez no Amapá, a primeira-dama e ex-deputada estadual do Amapá, Marília Góes, foi nomeada para o cargo de conselheira do TCE. Marília é casada com o então governador da época Waldez Góes (PDT). A escolha também foi alvo de ações na justiça. 

Marília Góes. Imagem: Divulgação/TCEAP

Quanto ganha uma conselheira do TCE?

Os salários para os conselheiros e conselheiras dos Tribunais de Contas podem variar de acordo com cada estado. No Piauí, os salários ultrapassam os R$ 35 mil. 

Prédio do TCE-PI em Teresina. Foto: Reprodução TCE-PI
O que faz o TCE?

O Tribunal de Contas do Estado do Piauí tem suas competências descritas na Constituição Federal, na Constituição do Estado do Piauí e na sua Lei Orgânica (Lei n° 5.888, de 19 de agosto de 2009).

Nos termos do art. 2º da sua Lei Orgânica, dentre algumas das competências do órgão no Piauí estão:

  1. Apreciar, mediante parecer prévio, as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado;
  2. Apreciar, mediante parecer prévio, as contas prestadas anualmente por Prefeito Municipal;
  3. Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da Administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público estadual ou municipal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário;

Primeira dama à frente da Câmara Municipal

A nível municipal, também ocorre a ocupação de cargos públicos de fiscalização por primeiras damas. Na esfera do município, elas também acabam sendo lotadas e atuando em secretarias e pastas importantes das prefeituras. Algumas também chegam a ser eleitas em cadeiras do legislativo, muitas vezes, após passarem pelo executivo gerido por seus cônjuges.

Em dezembro de 2022, na cidade de Inhuma (PI), a 240 Km de Teresina, a primeira dama e vereadora Andreia Alves (PP) foi eleita pela Câmara Municipal e assumiu a presidência da Casa no dia 1º de janeiro de 2023. 

Andreia Alves (PP) posa ao lado do prefeito e marido no dia de sua posse na Câmara de Vereadores. Foto: Reprodução Instagram @dr.elbertholanda

Andreia estava como secretária municipal de Saúde e Saneamento de Inhuma quando, em 8 de dezembro de 2022, foi exonerada pelo prefeito e marido, Elbert Holanda (PP). Na portaria, o prefeito resolve exonerar a mulher “por medidas administrativas e do interesse deste Poder Executivo”. Andreia Alves retorna ao mandato de vereadora e, uma semana depois, se candidata e é eleita presidente da Câmara Municipal de Inhuma.

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