O cerrado perdeu a cor e com ela, o cerrado está perdendo sua vida!
Quem passa pelo chão e vê aquele enfileirado de eucaliptos, pinus ou bambus margeando as estradas, muitas vezes nem imagina o que aquela cortina de vento realmente esconde. Quem passa pelo chão e vê o verde exuberante e pomposo das aroeiras, cajueiros e acácias na beira das estradas, nem imagina o tamanho do vazio que o cerrado sente por dentro. Um vazio de mata nativa e de toda sua biodiversidade que, ano após ano, vem sendo destruída para que o agronegócio e a pecuária avancem.
Enquanto a Amazônia registrou queda nos números de desmatamento neste ano (42,5% de acordo com o Ministério do Meio Ambiente), no Cerrado, o cenário se inverteu. Por aqui, o desmatamento entre janeiro e abril de 2023 foi o maior dos últimos cinco anos, alcançando 2.133 km². Os números são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coletados a partir do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), disponível na plataforma TerraBrasilis.O valor é cerca de 14,5% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado (1.886 km²). Considerando apenas o mês de abril, os alertas de desmatamento são 31% maiores este ano, na comparação com 2022.
Alicerçados no discurso do desenvolvimento e dos recursos inesgotáveis, o desmatamento por aqui não parece ser um problema que preocupa as autoridades locais. Ao contrário, tem sido o próprio estado um impulsionador importante desses processos. O discurso, comprado e vendido por parte da imprensa e agentes públicos, é de que o agronegócio gera renda e movimenta a economia onde antes só existia mato; que o agronegócio constrói e gera empregabilidade em áreas antes improdutivas.
O que se negligencia a partir desse discurso é que mais de 50% do bioma já foi desmatado e dados do Ministério do Meio Ambiente já apontaram a causa principal: 67% desse desmatamento é causado pela pecuária e 27% pela agricultura. As apostas e investimentos recentes na última fronteira agrícola do Brasil (MATOPIBA) parece chegar para dar um ultimato ao cerrado e agentes públicos: ou se criam medidas efetivas para barrar o avanço do desmatamento na região ou assume-se o risco (e a responsabilidade) de jurar de morte o segundo maior bioma do Brasil.
Mas do chão, o pouco que se vê é abafado e maquiado para que a gravidade dos problemas sejam minimizadas. Talvez nós ainda não tenhamos enxergado a magnitude desse cenário preocupante. Eu, particularmente, pouco adepto dos transportes aéreos, pude enxergar isso de modo mais efetivo há alguns dias, durante uma viagem à Brasília, em um voo direto que corta um pedaço do céu dos estados do Piauí, Tocantins, Bahia e Goiânia, até pousar no Distrito Federal. Foram 1.324 km percorridos em pouco menos de 2 horas.
Em um dia de céu aberto e sem nuvens, foi possível ver o que eles tanto escondem: o cerrado está sumindo. Não se ver um mar de pequizais, buritizeiros e babaçuais; não se ver as copas de mangaba, cagaita, bacupari e araticum. A vegetação nativa está sendo substituída por incontáveis blocos quadrados de verde pálido, vermelho, marrom e cinza. O cerrado perdeu a cor e com ela, o cerrado está perdendo sua vida.
Em quase duas horas cortando o céu a 900 quilômetros por hora, foi possível ter a dimensão de um problema que certamente é muito maior. Poucos foram os espaços onde a mata verde vívida não tinha sido invadida pelos blocos pálidos. As serras e chapadas se erguiam como guardiãs das florestas, mas não tinham forças para abraçar os solos rasos do cerrado.
Os blocos pálidos são as grandes fazendas do agronegócio e pecuária. Instaladas no meio do antes era mata virgem, elas ameaçam não apenas o segundo maior bioma do país, mas todo um ecossistema que grita pela preservação das nossas matas e florestas. Um grito ainda pouco ouvido ou atendido, como mostrou o relatório divulgado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, relacionando a alta nos preços internacionais de commodities (como o monocultivo da soja) com o avanço das plantações e desmatamentos no Matopiba. A terra perde sua função social primeira e converte-se em ativo financeiro, de onde é possível explorar, produzir riquezas e desigualdades socioamebientais.
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