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Produção de mel no Corredor Ecológico Capivara/Confusões na mira do Agronegócio

Não é de hoje que o agronegócio avança e ameaça de morte os biomas brasileiros. No Piauí, em especial na região do MATOPIBA, a abertura dessa nova “fronteira agrícola” tem ameaçado não apenas os biomas, mas também as comunidades que vivem nesses territórios. Essa morte anunciada tem sido, nos últimos 6 anos, acelerada e intensificada pela implementação de uma política ecocida orquestrada desde o Governo Federal e Ministério do Meio Ambiente, até a SEMAR – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí.

Mas, se a pretensão do policial militar, Marcos Simanovic, que está presidente do ICMBio até dezembro próximo, foi de liberar a boiada para passar esmagando o Corredor Ecológico Capivara/Confusões, lozalizado no sul do Piauí, certamente vai dá com os burros n’água antes de escancarar a porteira. Pelo menos é o que avaliam os ativistas ambientais ouvidos pelo Ocorre Diário para a construção dessa reportagem.

Os crimes ambientais por trás da assinatura do policial certamente serão impeditivos para barrar o projeto da empresa APESA, Agropastoril Piauiense, que prever o plantio de soja e milho em seis mil hectares, dos doze mil que a empresa adquiriu para produzir na vegetação Caatinga. O bioma mais ameaçado na região, apesar de ser genuinamente brasileiro.

Instituições diversas já se mobilizam para evitar o desastre. A Fundação do Homem Americano-FUMDHAM, criada para proteger o patrimônio natural e cultural do Parque Nacional Serra da Capivara, se movimenta para suspender a licença ambiental concedida à empresa, por considerar graves e irreversíveis os impactos negativos aos dois parques nacionais, caso o projeto se instale.

A fundação fez referência ao potencial biológico, cultural e natural estudados por quarenta anos e fartamente documentados em dissertações, teses e artigos científicos que provam a importância da região.

Foto: André Pessoa | Publicada originalmente na Revista UNQUIET

Apicultura, ouro do território Serra da Capivara.

A vocação para produção do mel de abelha é outro grande valor agregado ao Corredor Ecológico Capivara/Confusões. Em 2021, a microrregião de São Raimundo Nonato, de acordo com dados do IBGE, produziu mais de mil toneladas de mel de abelhas africanizadas, elevando o município ao nono maior produtor de mel do Brasil. Estima-se que sejam aproximadamente 1.500 pessoas que, em família, trabalham como apicultores e se organizam em Cooperativas.

A produção de mel nessa região de Caatinga vem da década de 1960. Segundo a pesquisadora da UFPI, Coordenadora do Grupo de Estudos Sobre Abelhas do Semiárido do Piauí-GEASPI, Juliana Bendini, a abelha africana encontrou na Caatinga o ambiente ideal para produzir. Segundo ela, o mel produzido no Território Serra da Capivara é de alta produtividade, qualidade e sabor único além da apicultura mobilizar uma cadeia produtiva que vai da preservação das matas da Caatinga, com projetos de reflorestamento, até a organização social para comercialização do mel.

Atualmente a apicultura no Território da Serra da Capivara está ampliando sua relevância com aquisição do selo de Indicação de Procedência do mel do território da região, proposta pelas professoras Liária Nunes-Silva e Lenita Delmondes Cardoso, do Instituto Federal do Piauí – Campus São João, com a participação da Universidade Federal do Piauí e Embrapa. “Através desse selo, não apenas o mel, mas toda a história da apicultura da região é reconhecida, com suas práticas e saberes”, diz Benini que faz parte da equipe de estudos.

Sobre a possibilidade de exploração no Corredor Ecológico Capivara/Confusões para plantio de soja e milho, a professora foi enfática, “O empreendimento causará perdas na produção e na qualidade do mel irreparáveis, haja vista a perda de biodiversidade da florada nativa“. Dra. Juliana completa, observando que esse tipo de empreendimento inviabiliza importantes certificações para o mel da Serra da Capivara como a de NÃO OGM (livre de Organismos Geneticamente Modificados) e de Orgânico, devido apicultores estarem instalados na região próxima à instalação do empreendimento.

Arquivo/Cooperativa Mel do Sertão

Em relação ao uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos usados nas monoculturas, a pesquisadora lembra que os ventos fortes da Caatinga são capazes de mover hélices dos aerogeradores das eólicas que crescem na região, certamente conseguem dispersar esses venenos.

“E a água que escorre pelo solo arenoso da Caatinga? Não contaminará a vegetação utilizada pelas abelhas? E o pólen transgênico para o alcance das abelhas? Não faltam pesquisas demonstrando que os agrotóxicos e o pólen transgênico são extremamente nocivos para esses insetos, causando mortes de milhões de abelhas nas regiões do país onde esse tipo de empreendimento se mantém. Nosso mel é reconhecido por não apresentar glifosato em sua composição e para além do reconhecimento, o valor agregado, soma milhões e movimenta o Setor Apícola, que exporta 90% do mel produzido”, afirma.

As Cooperativas de produção de mel do Território também já estão se mobilizando para evitar a exploração proposta pela APISA. O presidente da Cooperativa Mel do Sertão, que atua em dez municípios dos 18 que fazem parte do território, João Aparecido, a notícia foi a mais impactante que já tiveram sobre a região na história. “Para nós, apicultores é como se fosse acontecer um terremoto, um furacão, a diferença é que esse desastre foi planejado”, disse Aparecido, informando em seguida que haverá resistência e apelo as autoridades para que detenham o projeto.

Abaixo, compartilhamos na íntegra, a nota de repúdio elaborada pelo setor apícola da região, em relação à implementação do empreendimento de soja e milho no corredor ecológico Capivara/Confusões:

Arquivo/Cooperativa Mel do Sertão

NOTA DE REPÚDIO DO SETOR APÍCOLA EM RELAÇÃO À IMPLEMENTAÇÃO DO EMPREENDIMENTO DE SOJA E MILHO DA APESA AGROPASTORIL PIAUIENSE NO CORREDOR ECOLÓGICO CAPIVARA- CONFUSÕES

Considerando a importância ecológica, social e econômica da apicultura para o estado do Piauí e da produção e exportação do mel que, de acordo com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico, totalizou US$ 34,5 milhões, cerca de 7,6% de participação em toda a exportação do Piauí em 2021;

Considerando que, de acordo com o Censo Pecuário Municipal (SIDRA/IBGE, 2021), os apicultores e as apicultoras da microrregião de São Raimundo Nonato produziram 1.771.081 quilos de mel, com perspectivas de acréscimo devido ao ingresso de centenas de novas pessoas na atividade;

Considerando que a apicultura do Território Serra da Capivara movimenta, por meio da comercialização do mel, cerca de 30 milhões de reais anualmente;

Considerando o potencial de inclusão social da apicultura na região, pois está sendo praticada também por mulheres, jovens e integrantes das comunidades quilombolas;

Considerando o potencial de permanência da juventude rural no campo proporcionado pela apicultura através da geração de oportunidades de emprego e renda;

Considerando ainda que a grande maior parte do mel produzido no Território Serra da Capivara é comercializado com alto valor agregado por meio de certificações orgânicas e de “Não-OGM” (Livre de Organismos Geneticamente Modificados);

Nós, apicultores da Cooperativa Mel do Sertão e de demais associações apícolas do Território Serra da Capivara, comunidade científica com atuação e experiência na área da apicultura e demais atores da cadeia produtiva do mel nos posicionamos veementemente contrários à implementação do empreendimento da Apesa Agropastoril Piauiense que prevê a instalação de doze mil hectares para plantio irrigado de soja e milho em uma área correspondente ao Corredor Ecológico Capivara- Confusões.

Elencamos os seguintes pontos a serem considerados no que se refere aos prejuízos imediatos à apicultura objetivando sensibilizar a sociedade civil e os órgãos competentes para que tomem providências no sentido de embargar a instalação do referido empreendimento agrícola:

1. perda de biodiversidade e da cobertura vegetal,

2. perda de espécies vegetais endêmicas para a produção de tipos de méis diferenciados (aroeira, angico, juazeiro, entre outras floradas endêmicas da Caatinga),

3. decréscimo da produtividade apícola,

4. desvalorização do mel devido às possíveis perdas das certificações orgânicas e “não-OGM”;

5. perdas de colônias de abelhas devido a ação de agrotóxicos utilizados em monocultivos que ocupam recentemente cada vez territórios maiores na área de abrangência do semiárido piauiense.

Sobre este último ponto cabe destacar que entre os inseticidas utilizados na cultura da soja, de acordo com o Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (AGROFIT, 2019), encontram-se os neonicotinóides imidacloprido e tiamexam, bem como o fipronil, do grupo químico pirazol. Há evidência científica suficiente de que esses venenos são detectados em uma porcentagem expressiva de abelhas encontradas mortas em áreas agrícolas onde são utilizados (Bortolotti et al. 2003, Decourtye; Lacassie; Pham-Delegue, 2003, Pinheiro; Freitas, 2010, Sanchez-Bayo; Goka, 2016, Woodcock et al 2017, Castilhos et al. 2019).

Em nome da cadeia produtiva do mel e de uma vida sem veneno, convidamos a sociedade piauiense e brasileira a unir-se em defesa da Serra da Capivara e das abelhas.

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