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Quem pula esgoto no sistema capitalista?

Por Wilton Lopes

“Pula no esgoto e nada acontece”. A última fala do presidente sobre a atual situação do Covid-19 no Brasil apenas escancara da pior forma como a grande maioria da população brasileira é tratada pelo poder público. A BBC Brasil desmentiu a fala do presidente e seu próprio desconhecimento sobre a real situação daqueles que não possuem saneamento básico. O Brasil, no último dado coletado no ano de 2016, possui mais de 300 mil internações resultantes de doenças ligadas a falta de saneamento básico (1).

No Brasil e no mundo, as epidemias sempre escancararam a real situação da maioria da população e péssimo serviço de saúde oferecido a classe trabalhadora. As situações de calamidade em grande parte vêm ligadas ao processo de industrialização e da formação dos grandes centros urbanos, logo ao modelo capitalista que visa “libertar” o camponês que segue como mão de obra no sistema industrial. No caso brasileiro, a dengue e a febre amarela há séculos vem sendo em um processo de epidemia e todos ligados a migração da população (negros e nordestinos) das zonas rurais para os grandes centros urbanos, principalmente para a região sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro (2).

O assunto quando tratado pela da mídia chega ser cômico para não falar trágico, em matéria veiculado pela G1 do Grupo Globo coloca que o mosquito aedys aegypti prefere centros urbanos que zonas rurais (3).  O aumento da densidade populacional de certas áreas da cidade sempre demostrou a similaridade entre o mapa da concentração da população do inseto aedys aegypti com também da ocorrência de casos de febre amarela, como aponta estudo realizado ainda no final da década de 60 (4). O mesmo estudo apresenta também a erradicação por um bom tempo dos casos nos centros urbanos graças ao empenho do poder público na criação das brigadas sanitárias, quando a situação chegou em caso de calamidade pública, mas logo após a diminuição dos casos, por questão orçamentaria, o programa foi cortado, tendo maior corte na região nordeste, qualquer semelhança com o atual cenário é mera coincidência.

Foto: Agência UFPI – Blog laboratório para a disciplina de Webjornalismo Avançado

O Brasil possui hoje mais de 50% do seu esgoto tratado, mas quando olhamos esses dados por região o Nordeste (32,11%) e Norte (16,42%) estão bem longe do ideal. Ao analisar as pessoas não atendidas esbarramos na população pobre e periférica. Uma política que pouco avança, principalmente após o congelamento dos investimentos na área da saúde. Não é de esperar que em 2019 registrou-se no Brasil o segundo maior número de mortes causados pela dengue desde 1998, ano de início da série histórica. Até o início de dezembro, haviam sido confirmadas 754 mortes, atrás apenas de 2015, ano da pior epidemia já registrada e com número de pessoas infectadas que ultrapassa 1,5 milhão (5). E sempre somos levados a tentar culpar o vizinho que não olhou o jarro de planta.

A Lei nº. 11.445/2007 reforça no Brasil um direito constitucional ao saneamento básico como o conjunto dos serviços, infraestrutura e Instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais, o que talvez chegaremos numa universalização em 2054 (6). Ações de saneamento devem ser complementadas com sistema de saúde público e gratuito de acesso a todos os trabalhadores. Diante do atual cenário de pandemia no país campanhas nas redes sociais reforçam a importância do SUS no Brasil diante da situação em outros países.

Na China, país de capitalismo tardio, não difere muito do Brasil, mas a situação chega a ser pior. Os investimentos numa das maiores potências econômicas na atualidade na área da saúde chegam a serem menores que os praticados no Brasil e isso para uma população de mais de 1,3 bilhão de habitantes. Em artigo publicado pelo coletivo chinês Chuang, grupo de comunistas chineses críticos tanto do ‘capitalismo de Estado’ do Partido Comunista Chinês quanto da visão neoliberal e por vezes racista dos movimentos de ‘libertação’ de Hong Kong, aponta que as explicações sobre por que tantas epidemias parecem surgir na China não são culturais, é uma questão de geografia econômica (7). O artigo publicado por eles ainda demonstra os vários casos de doenças surgidas nos EUA ou a Europa, quando estes eram polos de produção global e emprego industrial em massa (Gripe espanhola e epidemia do gado). Para eles, o fato é que a esfera “natural” já está subordinada a um sistema capitalista totalmente globalizado que conseguiu alterar as bases do sistema climático global e devastar tantos ecossistemas pré-capitalistas.

Rosa Luxemburgo já apontava como fins econômico do capitalismo em suas lutas com a sociedade de economia natural a apropriação direta de importantes fontes e forças produtivas, como a terra, a caça nas selvas virgens, os minerais, as pedras preciosas, os produtos das plantações exóticas (8). A própria postura do atual governo brasileiro, desde que assumiu o poder, colocou como prioridade o avanço sobre as terras dos povos originários.

Afirmar que o consumo de animais selvagens (que já não é natural, mas fruto da lógica capitalista) pelos chineses é o grande responsável pelo surto de diferentes doenças nas últimas décadas é um olhar míope sobre a modo de funcionamento do sistema capitalista. Para este, existem a necessidade da sua sobrevivência com o avanço constante sobre ambientes naturais e independente das consequências provenientes de tais ações perante uma população de milhões de pessoas desassistidas de saneamento básico e um sistema de saúde ineficaz, o que prejudica o controle como na atual pandemia.

Notas:

(1) https://www.bbc.com/portuguese/geral-52067247

(2) http://www.ioc.fiocruz.br/dengue/textos/longatraje.html

(3)http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/01/mosquito-aedes-aegypti-prefere-centros-urbanos-diz-especialista.html

(4) http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0110historia_febre.pdf

(5)https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,dengue-2019-tem-segundo-maior-numero-de-casos-de-serie-historica-do-pais,70003149142

(6) https://www.childfundbrasil.org.br/blog/realidade-do-saneamento-basico-no-brasil/

(7)http://afita.com.br/outras-fitas-contagio-social-coronavirus-china-capitalismo-tardio-e-o-mundo-natural/

(8) LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação do Capital. São Paulo: Nova Cultural. 1985.

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