Cláudia, vítima de violência, é também militante da Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio (FPMCF) no Piauí e, em nome da luta contra a violência doméstica, se manifestou, juntamente com a FPMCF, contra o retorno de um promotor de justiça ao Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (Nupevid), após o mesmo ter sido acusado de violência doméstica, pela sua ex-namorada. O caso da denúncia pode ser lido aqui.
De vítima, Cláudia passou a ré, enfrentando processo de indenização por danos morais, de mais de 30 mil Reais, movido pelo promotor. Vale dizer que o mesmo era titular responsável por várias denúncias de violência doméstica feitas pela Cláudia, como assistida pelo Nupevid.
Na última terça-feira (06), ocorreu a audiência do processo que o promotor movia contra Cláudia Modesto. O resultado foi pelo arquivamento do processo, feito a partir de um acordo entre as partes e, considerado por Cláudia, como uma vitória da luta em defesa das mulheres. Uma vitória que, segundo ela, não se fez sozinha.
“Quero agradecer a força, a solidariedade que tiveram comigo. Vencemos uma batalha, mas a luta continua. Fizemos um acordo em relação aos portais, de retirar as matérias. Quero agradecer, porque fiquei muito fortalecida com a união das companheiras que entraram nessa luta junto comigo. A minha palavra é de resistência, resistência sempre”, afirma.
O caso de revitimização e silenciamento das mulheres que ousam se manifestar nos traz a reflexão: Qual o tamanho da nossa preocupação com as mulheres vítimas de violência? Todos os dias, os noticiários trazem à tona algum caso que gera aquela indignação momentânea, mas depois vira só mais um número. E é nessa luta, para que não seja mais só um número, que Cláudia Modesto se levanta todos os dias.
O promotor de Justiça que coordenava o NUPEVID, que trata dos processos de violência contra a mulher, responsabiliza a Cláudia e a revitimiza na esfera judicial, pois se sentiu lesado pelo fato ter havido uma manifestação pública contra o retorno do mesmo as suas atividades no Nupevid, de onde foi licenciado quando sofreu denúncia da ex-mulher, por violência doméstica. Além de mover ação contra Cláudia, o promotor também moveu ação contra jornalistas que publicaram notícias sobre um possível caso de violência perpetrado por ele contra sua ex, pedindo, inclusive, indenização.
A manifestação à época, inclusive, resultou em “remoção por permuta” do membro do MP-PI da 5ª Promotoria, que integra o Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (NUPEVID). Em seu lugar assumiu a promotora Luísa Cynobellina de Assunção Lacerda Andrade, fato comemorado pelos movimentos de mulheres que lutavam para que o Nupevid fosse coordenado por promotoras.
Cláudia e a luta contra a violência
Cláudia Modesto, mulher teresinense, mãe, é vítima de agressões físicas e psicológicas, por quase 10 anos, inclusive, sofreu tentativa de Feminicídio. Em 2009, ela conseguiu romper o silêncio, a vergonha e o medo e denunciou pela primeira vez seu ex-marido. Poderíamos imaginar que esse seria o fim do sofrimento dessa mulher, mas não: iniciou-se aqui mais uma batalha, onde ela, além da violência doméstica, passou a sofrer com a violência do estado.
Aos poucos, Cláudia foi entendendo que sua luta seria menos pesada se compartilhada, e se tornou uma militante da causa das mulheres, integrando a Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio, compartilhando sua história com muita coragem. Nessa trajetória, acabou cruzando com outras mulheres que, ou sofrem da mesma violência, ou apenas se solidarizavam com a dor das companheiras.
Mais uma vez, para quem pensa que a luta se tornou mais fácil para Cláudia, não, ela se deparou com novos desafios e problemas e com um fato quase que inimaginável: ser processada por um agente do estado que, pela lei e pela lógica, deveria protegê-la.
Com uma rede de proteção, acolhimento e apoio de muitas mulheres e alguns homens de diversos coletivos, Cláudia se fortaleceu e as mulheres mostraram que só com união, organização e luta se obtém vitória frente a um Estado estruturalmente machista. O arquivamento de processo no qual era ré é exemplo da vitória da luta das mulheres por seus direitos, incluindo o mais básico, a VIDA.
Mas ainda há muita luta pela frente: Cláudia ainda tem muitos outros processos tramitando: vara de violência doméstica, descumprimento de protetiva e representação criminal.
Em 2020, a cada 12 dias uma mulher foi morta pelo machismo no Piauí; esses números são os maiores desde 2015
A palavra feminicídio ganhou destaque no Brasil a partir de 2015, quando foi aprovada a Lei Federal 13.104/15, popularmente conhecida como a Lei do Feminicídio. Isso porque ela criminaliza o feminicídio, que é o assassinato de mulheres cometido em razão do gênero, ou seja, a vítima é morta por ser mulher. No Piauí, casos com os de Cláudia, de violência doméstica, findam muitas vezes na morte de mulheres pelo simples fato de serem mulheres (feminicídio).
No ano passado, dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que 31 mulheres foram assassinadas por serem mulheres. É como se uma mulher tivesse morrido a cada 12 dias, por conta do machismo e das relações opressões que ainda imperam na nossa sociedade. Em 2021, até o momento, os dados confirmam 8 feminicídios.
Na série histórica, de 2015 até hoje, são 177 vidas perdidas pela violência de gênero e pela ausência de ações mais efetivas, no que tange a proteção da vida das mulheres.
Texto: produção coletiva e colaborativa por Sarah F. Santos, Thais Guimarães, Luan Rusvel, Luan Matheus Santana e Isabel Jardim.
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