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Racismo Institucional: UFPI quer dividir curso de Pedagogia Intercultural Indígena no território Laranjeiras

Reportagem: Sabrina Moraes e Luan Matheus Santana

Um impasse tem revoltado a comunidade indígena Akroá-Gamela do território Laranjeiras, localizado em Currais, no sul do Piauí. Em dezembro do ano passado, lideranças da comunidade se reuniram com a reitora da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Nadir do Nascimento Nogueira, e acertaram os detalhes sobre a implementação do curso de Licenciatura em Pedagogia Intercultural Indígena. As aulas deveriam acontecer dentro da aldeia, com contratação de professores com notório saber – que, nesse caso, é dispositivo legal que permite a titulação acadêmica de mestres e mestras dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.

Contudo, os estudantes foram surpreendidos quando as aulas, que deveriam ocorrer na aldeia, foram transferidas para a área urbana da cidade de Currais, distante 40 km via estrada de terra. O curso é uma reivindicação histórica dos povos originários e faz parte do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) – Equidade. Para a comunidade, essa decisão coloca em risco o direito à educação indígena, que deveria ser respeitado conforme o edital e as diretrizes do programa.

A decisão de transferência do curso indignou a comunidade, que veio à Teresina na última quinta-feira (09/01), percorrendo mais de 670 km, em busca de uma respostas. Após manifestação na frente da Reitoria da UFPI, as lideranças foram recebidas pela Administração Superior da Universidade e um novo acordo foi firmado. De acordo com a UFPI, houve um consenso de que a turma, composta por 35 alunos, deve permanecer unida, com o apoio de todos os envolvidos, e que as atividades acadêmicas sejam realizadas na comunidade Gamela Laranjeiras, situada no município de Currais.

Uma nova reunião foi realizada na manhã de ontem (13/01), no território Laranjeiras, com participação das lideranças da comunidade, de estudantes matriculados no curso e da Pró-Reitoria de Ensino e Graduação da UFPI – PREG. De acordo com Seribi Tukano, diretor da União Plurinacional dos Povos Indígenas (UPEI) e estudante de Medicina da UFPI, o objetivo da reunião era proceder uma votação sobre a permanência da turma no território indígena ou sua transferência para a cidade de Currais. 

Para o cacique Salvador Gamela, esse tipo de pergunta é mal-intencionada, pois as representantes estavam na audiência com a reitora e sabem dos encaminhamentos tirados, e, em nenhum momento foi recomendado esse tipo de procedimento. “E o mais grave, esse tipo de postura das representantes da UFPI estimula o ódio aos indígenas, legitima atitudes racistas contra nosso povo e expõe os indígenas a situações de violência , afirma o cacique, que compreende essa postura como racismo institucional.

Em nota, a Universidade Federal do Piauí afirmou que estão assegurados os direitos de todos os alunos matriculados no curso do PARFOR EQUIDADE. De acordo com a Universidade, “o curso de Pedagogia Intercultural Indígena, assim como os demais cursos vinculados ao PARFOR EQUIDADE/UFPI, é destinado aos professores da rede pública da educação básica ou os da rede de formação por alternância, e, pela demanda social, que inclui indígenas, quilombolas, pardos (as), pretos (as), pertencentes a população do campo, pessoas surdas e pessoas público-alvo da educação especial”.

A UFPI confirmou a separação do curso em duas turmas de Pedagogia Intercultural Indígena, sendo uma no território de Laranjeiras e outra na cidade de Currais. “A indicação da coordenação local e do formador convidado de notório saber, previstos no Edital, foi encaminhada em diálogo com as comunidades, lideranças indígenas, secretarias da educação e UFPI. Conforme Edital Conjunto 23/2023 (PARFOR EQUIDADE, itens 5.3.4 e 5.3.5), todos os cursistas vinculados ao PARFOR EQUIDADE/UFPI, que integrem os grupos prioritários, estão contemplados com bolsa no valor de R$700,00 (setecentos reais), conforme o Anexo 1 do citado edital (item 10.5.2.)”, finalizou a nota.

A luta dos Akroá-Gamela é por educação indígena dentro do território 

“Estamos nesse objetivo, através do nosso curso intercultural indígena. Nós não aceitamos que ele fique na cidade; a gente quer dentro do território. Tivemos uma reunião online com a professora Nadir (reitoria da UFPI), que garantiu que o curso continuaria dentro do território. Só sairemos daqui com a resposta de que o curso será mantido no território”, afirmou Natividade Ferreira, presidente da associação indígena Akroá-Gamela, durante manifestação em frente à Reitoria da UFPI na última quinta-feira (09).

O cacique Salvador Gamela  também expressou sua indignação. “A gente teve reunião com a Doutora Nadir, que garantiu a escola indígena no território. A escola começou, mas foi transferida para Currais e com não-indígenas. Nós não vamos aceitar isso. Vamos manter o curso dentro do território.”

Reunião ocorreu no Salão Nobre da Reitoria da UFPI. Foto: UFPI

Seribi Tukano, diretor da União Plurinacional dos Povos Indígenas (UPEI) e estudante de Medicina da UFPI, destacou a necessidade de honrar os compromissos assumidos pela reitoria. “No dia 23 de dezembro, houve um encaminhamento positivo, mas em janeiro veio a surpresa de que os indígenas teriam que viajar para Currais. Essa confusão só beneficia os brancos. Nos encaminhamos à Defensoria Pública da União, dialogamos, mas a reitoria ignorou a voz ancestral dos Akroá-Gamela. Queremos que o PARFOR Equidade seja cumprido na íntegra, pois é nosso direito. Como diz a filosofia dos Tucanos: o sol é para todos; a verdade precisa ser revelada.”

A luta dos Akroá-Gamela evidencia as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no acesso à educação de qualidade e culturalmente adequada. A transferência das aulas para a cidade ignora a autonomia do território e desconsidera as condições dos estudantes indígenas. Mais do que uma questão educacional, trata-se de um ato de resistência cultural e política. Carolina dos Santos, estudante do curso e residente no território, reforçou a luta coletiva. “Na nossa aldeia tem escola capacitada para isso, para a gente estudar. Viajamos 670 quilômetros para buscar uma resposta. Pedimos que a reitora respeite nossa história e nossa luta. Vamos conseguir.”

Racismo Institucional para beneficiar estudantes brancos 

Reunião entre Akroá-Gamela e UFPI. Foto: Taynara Fernandes Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação, Ciência Descolonial, Epistemologia e Sociedade

A comunidade voltou esperançosa de Teresina, acreditando que nesta segunda-feira as aulas já seriam iniciadas. Entretanto, para piorar os conflitos, os representantes da UFPI apresentaram uma proposta para votação: se os estudantes eram a favor de dividir a turma. Segundo os representantes da Reitora, seria “uma na sede da cidade de Currais para os não-indígenas e outra turma para os indígenas no Território de Laranjeiras em Currais”. 

“O grave dessa proposta é que o Curso é de Pedagogia Indígena para os indígenas. Em Currais, há anos, é ofertado um Curso de Pedagogia pelo PARFOR TRADICIONAL para os não-indígenas. Além disso, a CAPES não aprovou duas turmas em Currais, tampouco financiou duas turmas. Somente os indígenas Gamelas de Laranjeiras apresentaram pedido de turma a UFPI, nenhum outro povo apresentou demanda local. Terceiro, essa atitude pode ser caracterizada com desvio de finalidade da coisa pública – perda da natureza do objeto – pois, a oferta do curso tem como objeto em sua natureza os  indígenas, e não os não indígenas”, afirmou Seribi Tukano da União Plurinacional dos Estudantes Indígenas (UPEI).

As lideranças indígenas Gamela já disseram sua posição para reitora: que eram contra a divisão da turma e dividir o curso só reforça o preconceito, o ódio e racismo. Para Dona Natividade, Presidente da Associação Gamela, o que a comunidade quer e precisa é do seu direito à educação assegurado. 

“Até porque a maioria dos estudantes são nossos conhecidos, parentes e vizinhos. Essa ideia de divisão não é proposta nossa é dos brancos da universidade , trazer o vice-prefeito de Currais sem consentimento foi uma tentativa de nos  intimidar  e prevalecer a posição dos brancos. Como mulher liderança desse território, reconheço a autoridade da professora Nadir e dos compromissos assumidos com o território, esperamos que essa notícia sobre o desastre provocado por seus interlocutores chegue ao seu conhecimento e que não perdure”, finalizou. 

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