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Retomada indígena: Gueguês e Akroá-Gamela enfrentam prefeitura e agronegócio em Uruçuí-PI

Uruçuí, município localizado na região sudoeste do Piauí e a 450 km de Teresina, é considerada a capital dos Cerrados e é o maior município em extensão territorial do Piauí. Segundo o Censo de 2022, Uruçuí possui 262 pessoas autodeclaradas indígenas e dois povos organizados, os Gueguê e Akroá-Gamella. Essas populações indígenas originárias dessa terra são vítimas históricas de espoliação e violências causadas por grileiros (estado e agronegócio).

A história dos povos indígenas de Uruçuí é marcada por conflitos envolvendo os indígenas e os invasores de suas terras, como ocorreu com os Gueguê na década de 1975 e com os Akroá-Gamella em 1960, quando foram expulsos de seus territórios por fazendeiros e políticos locais.  São histórias de povos que resistem e protegem suas terras com sabedoria e respeito pela natureza. Suas tradições e conhecimento sobre a flora e fauna locais são inestimáveis, representando um patrimônio vivo que deve ser valorizado e preservado.

A mais recente ameaça aos Akroá-Gamella e Gueguê tem sido perpetrada pelo estado do Piauí e prefeitura municipal de Uruçuí. No dia 30 de maio de 2024, às quatro da manhã, a comunidade indígena Akroá-Gamella de Uruçuí-PI, Baixa Grande do Ribeiro e Gueguê iniciou a retomada do território Vão Seco, que fica próximo à zona urbana de Uruçuí. Em 2018 a prefeitura de Uruçuí procurou o indígena Gueguê Raimundo Delmiro, agrimensor, para fazer a medição de 600 hectares de terras devolutas, das quais seriam retirados para ocupação dos indígenas ( 67,86 h (29,8 h para os Guêgue e 9,58 h para os Akroá-Gamella), 16 h para o vigia, 60 h para o secretário de infraestrutura, 192 h para o laranja (ou seja, 268 h para a prefeitura) e 29 h para lavouras indígenas e o restante para a construção de um loteamento que vai atender aos trabalhadores da Granja FRIAGRO.

Contudo, em 2024 o prefeito resolveu tomar os 67, 86 h dos indígenas, o que gerou uma série de conflitos. Os indígenas de Uruçuí lutam pela preservação do bioma cerrado, que tem sido alvo de esbulhos e depredação por parte do poder público municipal e estadual que agem à serviço de uma política predatória de expansão do capital agrícola.

Dan Akro-Gamela conta sobre a retomada indígena

Retomar Vão Seco pela sobrevivência do Cerrado

A comunidade Akroá-Gamella de Uruçuí-PI considera essencial a retomada do território Vão Seco para a preservação de sua cultura e identidade, as comunidades indígenas Gueguê e Akroá- Gamella se unem na luta pela preservação do território e da cultura indígena. A retomada do território Vão Seco é um ato de resistência e de valorização de suas raízes ancestrais. Nesse contexto, é imprescindível destacar que a ação de reivindicar o território original demonstra a importância da terra para a identidade e sobrevivência dos povos indígenas do Cerrado.

O cerrado tem uma biodiversidade única, que é fundamental para a sobrevivência das comunidades locais. A luta pelo território Vão Seco é um exemplo da resistência contínua dos povos indígenas do Brasil contra a invasão de suas terras e a destruição do meio ambiente. Para as comunidades tradicionais, os territórios não são considerados propriedade ou mercadoria (lógica do capital), mas representam heranças ancestrais dos seus antepassados, que buscam manter a sua ligação com o território através da oralidade e da memória.

Nessa luta pela preservação das terras e pela proteção das comunidades indígenas de Uruçuí-PI é importante destacar que esse episódio reflete um embate histórico entre interesses econômicos e a preservação dos direitos e da dignidade dos povos originários. A preservação do bioma cerrado é fundamental não apenas para os indígenas, mas para toda a sociedade, pois se trata de um ecossistema rico em biodiversidade e essencial para o equilíbrio ambiental.

Dessa forma, a atitude de retomar o território Vão Seco vai além da questão territorial, é um ato de resistência cultural e de afirmação da identidade indígena, que está intrinsecamente ligada à relação com a terra. As comunidades indígenas Akroá-Gamella e Gueguê de Uruçuí-PI se destacam como exemplo de mobilização e luta pela preservação de seus territórios, pela proteção do Cerrado e de sua ancestralidade, confrontando as correntes, o fogo e a bala do “progresso” que o agro tanto prega.

São cerca de mais de 200 pessoas que estão acampadas no território Vão Seco, lutando pela preservação das suas terras e contra o avanço do desmatamento, da grilagem e da morte contínua da fauna e flora do cerrado que é fruto de uma política predatória da expansão do capital agrícola sobre as comunidades indígenas de Uruçuí-PI. O protesto contra a venda e doação de terras a grileiros e magnatas do agronegócio evidencia a luta contra a exploração e a violação dos direitos territoriais dos indígenas.

Prefeitura intensifica hostilidade contra indígenas

Durante o processo de retomada, onde comunidades indígenas buscam reaver suas terras ancestrais é comum que enfrentem resistência e preconceito, muitas vezes manifestados através de ataques racistas e marginalização. Esses grupos frequentemente têm suas identidades questionadas e são injustamente rotulados de “invasores” pelo poder público e senso comum, apesar de sua conexão ancestral e histórica com as terras reivindicadas, como é o caso dos indígenas de Uruçuí.

Boletim de Ocorrência se transforma em arma de coação e violência institucional por parte da prefeitura

Recentemente, a prefeitura de Uruçuí intensificou essa hostilidade ao registrar um boletim de ocorrência contra a liderança indígena dos Gueguê, Raimundo Delmiro, acusando-o de violação e depredação de patrimônio público. Essa ação não apenas criminaliza o movimento de retomada, mas também serve como uma forma de intimidação, ameaçando a permanência dos Gueguê em seu território. A acusação de depredação é muitas vezes usada como um pretexto para deslegitimar as reivindicações indígenas e justificar a expulsão dessas comunidades de suas terras.

Esses episódios são um reflexo da luta contínua dos povos indígenas por reconhecimento e respeito aos seus direitos territoriais e culturais. A marginalização e os ataques racistas são barreiras significativas que eles enfrentam, não apenas na tentativa de recuperar suas terras, mas também na preservação de suas culturas e identidades. O apoio da sociedade civil e a implementação de políticas públicas inclusivas são essenciais para garantir que essas comunidades possam viver com dignidade e segurança em seus territórios tradicionais, direitos estabelecidos na Constituição de 1988 e na Convenção 168 da OIT.

A retomada significa, portanto, não somente o resgate desse território, mas também a retomada ancestral de tradições, saberes e práticas que foram transmitidos de geração em geração. Essa reconexão com o passado permite fortalecer a identidade cultural e espiritual da comunidade, promovendo um senso de pertencimento e continuidade histórica.

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