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Salipi, respeite as mulheres negras e sua literatura. Respeite as mulheres!

Lugar de mulher é onde ela quiser! Confira o relato da feminista e militante negra sobre as opressões que aconteceram durante o bate papo literário do Salipi do último domingo (3).

Em sua 16ª edição, o Salão do Livro do Piauí – SALIPI está entre os maiores eventos literários do nordeste, segundo o site oficial da organização. Todos os anos, a comunidade piauiense espera ansiosamente pelo evento. A proposta de mesclar literatura, música, artesanato e outras artes atrai um público fiel. Ocorre que nem tudo são flores. O SALIPI não é um evento neutro, portanto passível de reproduzir as mais diversas opressões que estruturam nossa sociedade tão desigual.
Essa matéria tem o objetivo de relatar um desses episódios que nos embrulham o estômago, literalmente. Episódio ocorrido em um dos espaços do SALIPI, o bate-papo literário, onde houve machismo e racismo e desrespeito à literatura feminista negra. Um espaço com a proposta de democratizar nossas produções e divulgar novas escritoras e novos escritores piauienses.

Lélia Gonzalez escritora negra mineira, feminista, foi desconsiderada como literatura durante o bate papo literário.

Eis o relato

03 de junho de 2018. A organização do evento divulgou a participação das idealizadoras de três projetos brilhantes que objetivam visibilizar a leitura e produção literária de mulheres: Campanha Esperançar, Desembucha mulher – zine e Leia Mulheres Teresina.
O primeiro projeto propôs a leitura de autoras negras como Conceição Evaristo, Angela Davis, Lelia Gonzalez e tantas outras. Já o Desembucha mulher – zine é um espaço onde mulheres piauienses podem tirar seus textos da gaveta e escrever livremente sobre nossas vivências. Por fim, o Leia Mulheres Teresina é fruto de um projeto criado pela escritora Joanna Walsh que, em 2014, propôs o #readwomen2014 que basicamente consiste em ler mais escritoras. Esse projeto ganhou corpo e ganhou adesão de vários países como o Brasil.
As amantes da literatura, militantes feministas, mulheres mil logo ficaram ansiosas com a proposta de visibilizar tais projetos. O evento foi compartilhado nas redes sociais com muito ânimo e expectativa. A necessidade de ocuparmos o SALIPI era urgente, então houve um esforço coletivo nas redes para agitar o espaço e garantir um público que tivesse afinidade com as propostas a fim de fortalecer as companheiras que estariam vocalizando uma pauta histórica do movimento de mulheres: a visibilização das nossas produções.
O quadro era esse: 4 mulheres negras na mesa. 3 projetos incríveis que visibilizam produções literárias feitas por mulheres. Visibilizam a “escrevivência” de autoras negras. Que visibilizam nossa vida. E estimulam a escrita das nossas vivências.

Os sete erros?

1) Dois homens mediando a mesa;
2) Dois homens “dando aula” sobre o trabalho desenvolvido pelas mulheres sem dar espaço para que estas expusessem com as próprias palavras os seus projetos;
3) Homem tomando microfone das mãos das mulheres e interrompendo as falas repetidas vezes;
4) Homens “fazendo piadinha” sobre nossos corpos e nossas vidas;
5) Homens gritando, de forma agressiva, pra explicar como o feminismo deveria incluí-los;
6) Atraso para o início do espaço, sendo que todos os outros (compostos majoritariamente por homens) começaram pontualmente. Ressalte-se que o espaço que deveria ter sido protagonizado pelas mulheres começou com 40 minutos de atraso. E só começou de fato porque uma das convidadas chamou a atenção da organização.
7) Por fim, pra ser sucinta, o homem branco afirmou “NÃO CONFUNDAM AS COISAS, MENINAS. LITERATURA NÃO É PANFLETO, LITERATURA NÃO PODE SER AGRESSIVIDADE”, isso logo após a citação de Lelia Gonzalez uma das maiores referências do feminismo negro brasileiro.
O que imagino que incomodou bastante os facilitadores foi uma mesa em que “na medida em nós negros estamos na lata de lixo da sociedade brasileira, pois assim o determina a lógica da dominação …o risco que assumimos aqui é o do ato de falar com todas as implicações. Exatamente porque temos sido falados, infantilizados … que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, O LIXO VAI FALAR, e numa boa” (GONZALEZ, Lélia, 1983, p. 225).
Sabemos que o mercado editorial não dá visibilidade às nossas produções. Sabemos que fomos historicamente silenciadas por homens que acreditam deter o poder de ditar nossos destinos. Sabemos que as opressões se somam e quando trata-se de mulheres negras o silenciamento é ainda mais cruel e aterrador. Sabemos ainda que nomes como Angela Davis, Carolina de Jesus e Conceição Evaristo ocuparam o espaço na literatura em virtude de nossas lutas. O processo nunca foi pacífico, infelizmente. Lutamos muito para chegar onde estamos.
Então, chegar em um espaço como o SALIPI e assistir ao show de horrores que foi o bate-papo literário no dia 03 de junho de 2018 é de embrulhar nossos estômagos. Tenho certeza de que todas as mulheres ali presentes sentiram-se violentadas.
Foi misógino, foi racista, foi violento. Foi. A violência tá marcada em nossas memórias. Ela foi gratuita, como sempre. Mas, nós mulheres, não nos calaremos! Não silenciaremos mais um episódio brutal de violência. Machistas não passarão no SALIPI! Machistas não passarão na universidade! Machistas não passarão!
E o panfleto é literatura. Literatura é luta. Literatura é protesto. E ocuparemos esse espaço da forma como bem entendermos. Não vai ser um homem que vai nos dizer como ocupar este espaço.
No mais, reiteramos nossa solidariedade às companheiras valorosas que foram vítimas diretas dessas violências. Ressaltamos a importância de seus projetos para as mulheres piauienses.
MEXEU COM UMA, MEXEU COM TODAS!
Texto: Lorena Varão
Lorena é bacharel em Direito e Mestra na mesma área. Lorena compõe os setoriais de negritude, de mulheres e LGBTTT do movimento Rua – Juventude Anticapitalista.

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