Reportagem: Luan Matheus Santana | Edição: Glenda Uchôa
Dentro da região conhecida como a última fronteira agrícola do Brasil (MATOPIBA) e no coração do cerrado brasileiro, está a cidade de Bom Jesus, tida como a capital piauiense do agronegócio. Ali pertinho, entre Bom Jesus e o município de Currais, uma comunidade indígena tenta preservar seus modos de vida ancestrais.
“Laranjeiras é um território que está em retomada. A gente começou a reivindicar o território em 2020, bem no começo da pandemia. De antes, a gente tem a história. Quando minha mãe contava a história dela e da mãe dela, minha bisa, eu ficava pensando: eu tenho essas linhagens, essa ancestralidade e nosso povo foi violentado, pegaram a gente de cachorro no mato, como bicho”, conta José Wilk, um jovem indíegna Akroá Gamela.
O auto reconhecimento dos povos originários nem sempre é um processo fácil. Na verdade, quase sempre, foi um processo difícil e complexo. As marcas da violência colonial trouxeram medo e muitas pessoas, como estratégia de sobrevivência, optaram por negar sua ancestralidade. José só começa a entender esse processo quando entra na universidade e tem acesso a outras leituras sobre o mundo. Desse conhecimento, veio a necessidade de uma retomada ancestral, que logo foi acolhida pelas quase 80 famílias que hoje vivem nas Laranjeiras.
Apesar de ser uma comunidade secular, essa retomada étnica tem apenas 4 anos. Mas os modos de vida foram preservados, muitas tradições mantidas e o povo ainda guarda no sangue a raiz originária do Brasil. “Quando você chega no território, você vai ver muitos buritizais, estradas estreitas e casas na beira da pista, tem atividades de produção, agricultura familiar, criações. No fundo dos baixões é onde tem a maior parte da nossa produção, na parte final tem uma maloca, com casas dos parentes ao redor e depois chega na serra das laranjeiras”, explica José.
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O jeito cuidadoso de falar do território mostra a forte ligação da comunidade com toda a biodiversidade que ali habita. Mas eles estão cercados. De um lado, a comunidade denuncia a presença de fazendeiros e latifundiários, que se apossam de grandes pedaços de terras para fins de especulação. Do outro lado, do alto da serra, é possível enxergar uma imensidão de terras desmatadas pela multinacional Bunge, empresa que atua no ramo alimentício, e se insere no plantio de soja.
Um estudo da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) revelou, há 4 anos, um dos motivos centrais que movem esses grandes grupos empresariais e latifundiários na disputa por terra na região. Em menos de 20 anos, entre 2003 e 2019, o preço das terras agrícolas aumentou assustadoramente no Matopiba. Ali perto das laranjeiras, em Bom Jesus, o aumento foi de 499%. Em Uruçuí, onde vivem outros indígenas da etnia akroá gamela, o aumento foi de 355%.
Para a Associação Indígena Gamela, da qual José faz parte, tanto a área ocupada hoje pela Bunge como a área ocupada pelos fazendeiros e latifundiários são partes da terra indígena que pertence ao seus ancestrais Akroás Gamela. Com apoio de pesquisadoras da Universidade Federal do Piauí (UFPI), já foram realizados estudos cartográficos na comunidade, que demarcaram todo o perímetro necessário para preservação do território.
Em um dos estudos (leia aqui), publicado em 2022, os pesquisadores destacam a localização estratégica da comunidade, situada sob um das maiores reservas de água doce no estado, no Vale do Gurguéia. “Nesse contexto, o agronegócio ocupa grandes extensões territoriais, em meio à intensa degradação ambiental e hídrica das nascentes, brejos e riachos; impõe relações de trabalho análogas ao trabalho escravo e protagoniza como principal agente de conflitos agrários e fundiários com os indígenas Gamela e camponeses, quanto ao direito à terra”, escreveram.
Dessa forma, a demarcação da terra indígena akroá gamela é hoje a principal pauta de reivindicação da comunidade. A regularização fundiária do território é mais que um ato administrativo, é uma promessa de justiça, pertencimento e permanência. É uma porta para a cidadania, para a melhoria da qualidade de vida e para o fortalecimento da identidade comunitária, como explica o juiz Leonardo Brasileiro, coordenador do programa regularizar, do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI). “Propriedade, regularização fundiária, é desenvolvimento. Desenvolvimento social, econômico; é promoção de cidadania, dignidade da pessoa humana. Você entregar àquela pessoa o que é de direito dela, o que até então não tinha sido materializado”, disse, em entrevista ao Ocorre Diário.
Regularização e conflitos
Sem regularização e demarcação das terras, o que impera é o poder econômico e as incertezas. Cada um busca, à sua maneira, comprovar a posse das terras e os conflitos se acirram. Imagine esse mesmo cenário em grande parte do interior do Piauí: são vastas extensões de terras, onde comunidades vivem há gerações sem a segurança jurídica de suas propriedades. De acordo com o Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existe presença indígena em mais de 70% dos municípios piauienses. São pelo menos 157 cidades.
Para muitos deles, especialmente os que vivem em contextos rurais e de aldeias, a posse informal é uma realidade que gera incertezas e impede o acesso à políticas de proteção e preservação dos biomas, assim como à infraestrutura e serviços básicos. A regularização fundiária, no campo e na cidade, é fundamental para a resolução de conflitos, como ocorre hoje nas Laranjeiras. Quem nos ajuda a reforçar esse entendimento é o Defensor Público da União, Benoni Moreira, que acompanha de perto boa parte desses conflitos gerados pela ausência de regularização nos territórios do Piauí.
“A questão fundiária no Brasil remonta o período colonial e a forma como ocorreu o processo de destinação das terras no país, ou seja, desde o sistema de capitanias hereditárias, sempre marcado por grande concentração de terras em proveito de poucos latifundiários. Historicamente, muitas áreas rurais foram apropriadas irregularmente por um processo denominado grilagem, por meio do qual se fraudavam documentos de propriedade de terras pelos denominados grileiros”, afirma.
Por outo lado, segundo ele, após a abolição formal da escravidão no Brasil, a população negra até então escravizada passou a ocupar áreas nas periferias das cidades e na zona rural, formando inúmeras comunidades, porém sem documentação de propriedade das áreas ocupadas. Desse modo, quando se fala em regularização fundiária, trata-se de legalizar por meio de documentos válidos a propriedade dessas áreas ocupadas sem documentos de domínio válidos.
Toda terra é pública, até que se prove o contrário
Um marco fundamental para o entendimento da construção da legislação fundiária brasileira é a Lei de Terras do Brasil (de 1850). Ela estabelece a origem pública das terras brasileiras. Isso significa dizer que há a construção legal de que todas as terras brasileiras são públicas e que a passagem delas para o domínio privado somente deve ser formalmente reconhecida se houver o registro da “propriedade” em cartório e se esta “propriedade” estiver calcada na posse ou tenha sido adquirida do poder público por meio da compra.
Acontece que a maior parte das transferências de propriedade não foram regulamentadas no Brasil. Não havia interesse dos grupos políticos e oligarquias nacionais, até porque, boa parte dessas transferências eram irregulares. Os estudantes da ATTR apontaram o uso de mecanismos de falsificação de títulos de propriedade, que foram e continuam sendo utilizados em larga escala na região do MATOPIBA.
A expansão do agronegócio nessa região tem ocorrido, especialmente, sobre terras devolutas (que são áreas públicas que não possuem uma destinação específica pelo poder público), de pequenos posseiros, territórios indígenas e de povos tradicionais. O resultado disso é que a concentração de terras vem estruturando a desigualdade social e racial no Brasil desde o período colonial.
Cada caso, um caso
O defensor público, Benoni Moreira, explica que existem diferentes tipos de regularização fundiária, a depender de quem e da forma como ocorreu a ocupação das áreas a serem regularizadas. “Caso a ocupação irregular tenha ocorrido por meio da grilagem de terras, a forma de regularização deve ser a anulação do registro de imóveis no cartório de registro de imóveis; por outro lado, caso a ocupação tenha ocorrido por comunidades tradicionais há legislação específica, inclusive com disposição expressa na Constituição Federal e em legislação infraconstitucional, que estabelecem como deve ocorrer a regularização fundiária dessas áreas”, explica.
Ainda de acordo com o Defensor, regularização fundiária e demarcação de terras não são a mesma coisa. “Como dito antes, a regularização fundiária refere-se à legalização do documento de propriedade da terra; a demarcação de terras é uma das etapas para a regularização fundiária de terras ocupadas por povos e comunidades tradicionais”, afirma.
O contexto rural
Nos contextos rurais e do campo, ainda não há estimativa de quantos territórios necessitam de regularização fundiária no estado do Piauí. “No entanto, é público e notório que a imensa grilagem de terras no Piauí é fato incontroverso, sobretudo na região dos cerrados. No que diz respeito a povos e comunidades tradicionais, existem cerca de 200 comunidades quilombolas mapeadas pela Coordenação Estadual da Comunidades Quilombolas, das quais cerca 130 são certificadas pela Fundação Cultural Palmares. As demais estão em processo de certificação). além de dezenas de comunidades tradicionais e quebradoras de coco babaçu e inúmeras outras comunidades tradicionais – extrativistas, pesqueiras, ribeirinhas, fundo de pastos, indígenas, dentre outras”, explica Benoni Moreira.
Um contexto que torna o atual cenário da regularização fundiária no estado ainda mais complexo. O desafio da regularização parece se alargar ao bater de frente as elites e oligarquias nacionais e regionais. Especialmente nas áreas rurais, ainda há muito a se fazer, como argumenta o defensor público, Benoni Moreira.
“Está ocorrendo a legalização documental de grandes áreas de terras devolutas (de propriedade do estado do piauí), a título oneroso, por valores bem abaixo do preço de mercado dessas áreas, muitas delas com registros de propriedades fraudulentos, portanto nulos, em detrimento dos povos e comunidades tradicionais que sempre ocuparam essas áreas para a criação de animais pelo sistema extensivo (soltos), bem como para a extração de frutos nativos (pequi, buriti, coco babaçu, etc) e plantas medicinais, além da agricultura familiar, situação que tende a inviabilizar a permanência dos povos e comunidades tradicionais nas poucas áreas que lhes restam”, afirma.
O contexto urbano
No contexto urbano, o cenário não é diferente. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, 50% dos imóveis no Brasil têm algum tipo de irregularidade, o que representa 30 milhões de domicílios urbanos. A maior parte deles, estão nas periferias. Aqui no piauí são quase 200 mil pessoas residindo em favelas ou comunidades urbanas, de acordo com o IBGE. Em uma dessas comunidades, mora Santiago Belizário. Ele integra o Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas. Para ele, o problema da regularização fundiária no Piauí é potencializado em razão da ausência de uma política mais efetiva de moradia.
“Infelizmente, nós temos um modelo de cidade que é pensado baseando-se na garantia do lucro e da especulação imobiliária. E para que isso seja assegurado e garantido, é necessário manter uma parcela grande de pessoas sem o seu direito à moradia assegurada. Infelizmente, temos 7 milhões de brasileiros hoje que não têm o seu direito à moradia garantido. E o tema da regularização fundiária em especial, no debate urbano, tem avançado muito pouco no nosso país. Muito pouco. Acompanhado de um enfraquecimento da política habitacional”, afirma.
De acordo com Santiago, a regularização é uma ferramenta para garantir a incorporação de núcleos urbanos, que hoje se encontram na informalidade, de modo oficial no contexto da cidade. “Que se garanta o seu direito à moradia, que se garanta todo um conjunto de políticas públicas que envolve questões jurídicas, urbanísticas, ambientais, de seguridade social… infelizmente elas não têm sido implementadas e asseguradas, garantindo que nessas áreas, infelizmente, o recurso não consiga chegar, que obras estruturantes não cheguem, que a cidadania não consiga chegar ao nosso povo”, finaliza.
Ações concretas que mudam a realidade
Morar com dignidade e segurança jurídica não deveria ser um privilégio, em um país que assegura esse como um direito fundamental e constitucional. Ações concretas de regularização mudam a realidade, como aconteceu com o Povo Kariri, de Serra Grande, sul do Piauí. Esse foi o primeiro território indígena a ser regularizado no estado. Mudou também para os moradores Guaribas, município também do sul, que foi o primeiro a ter 100% dos seus imóveis regularizados.
“Eu tinha tanto medo que quando eu passei pra essa casinha, eu de noite, tinha vez que eu sonhava, com as pessoas me tirando de dentro da casa. Porque a gente não tinha e tinha conseguido. E eu sonhava, eu tinha aquela ansiedade de alguém me tirar de dentro da casa, porque eu tenho 3 meninos pequenos”, desabafa Gilsa Alves, moradora de Guaribas.
O medo de Gilsa, hoje, não existe mais. Ela concedeu ao Tribunal de Justiça, durante um evento de entrega de títulos de imóveis pelo Programa Regularizar, em julho deste ano. Gilsa e os outros 4.275 moradores de Guaribas, hoje, podem dormir tranquilos. “Guaribas, que era um município 100% irregular e agora se transformou num município 100% regularizado, é modelo para todo o país”, afirma o juiz e coordenador do programa regularizar, Leonardo Brasileiro.
Mas essa ainda não é a realidade da maioria da população piauiense. Imagine o que é nascer e crescer em um pedaço de chão que desde pequeno aprendeu a chamar de seu, mas viver sem poder comprovar que ele é, de fato, seu. É uma vida rodeada de incertezas e inseguranças, que aos poucos começa a mudar.
No município de Queimada Nova, localizado ao sul do Piauí, já na fronteira com Pernambuco, a comunidade Kariri Serra Grande tornou-se, em 2021, o primeiro território indígena a ser demarcado no Piauí. Há pouco mais de 20 anos, sob a liderança da Cacica Maria Francisca Pereira, a comunidade começou seu processo de retomada. Em 2016, foi protocolado, junto ao Instituto de Terras do Piauí (INTERPI), uma carta de solicitação de título da terra ao Governo do Estado. Cinco anos depois, Serra Grande tornou-se o primeiro território indígena com terras tituladas e demarcadas no Piauí.
Por lá, são mais de 2100 hectares de terra, que, na verdade, são mais do que terra. Esses hectares significam segurança, pertencimento, ancestralidade. É descobrir o que significa ter, oficialmente, o que já era delas há gerações. “Nós cobramos do governo do estado, a gente tinha essa manifestação. Em 2021, nós conseguimos o título da terra. Então, a terra, essas duas mil e cento e poucos hectares tituladas para os povos que moram aqui nessa área. Então, para a gente é importante sim, porque a gente, através desse título, a gente consegue hoje acessar as políticas públicas para toda a comunidade. Então, pra isso é muito importante, porque a terra indígena que não tem, que não são tituladas, elas têm dificuldade de acessar as políticas públicas, né? Então, por isso que as terras indígenas é muito importante ser titulada”, afirma.
Um desafio secular: 6 a cada 10 imóveis estão irregulares no Piauí
Hoje, de acordo com estimativas do Tribunal de Justiça do Piauí, pelo menos 60% dos piauienses têm algum tipo de irregularidade em suas terras ou imóveis. Isso quer dizer que, a cada 10 imóveis no estado, 6 precisam de regularização. Em todo o Piauí são 1.418.259 imóveis contabilizados pelo IBGE. Se aplicarmos aqui a estimativa do Tribunal de Justiça, teremos quase 851 mil imóveis irregulares.
Até o ano de 2023, os processos andavam ainda com muita morosidade. Em 2022 foram regularizados menos 300 imóveis pelo TJ-PI. Com a implementação do programa regularizar, em 2023, os processos passaram a andar com mais celeridade. O Juiz Leonardo Brasileiroa, que coordena o núcleo de regularização fundiária e o programa Regularizar, estima que serão regularizadas, até o final deste ano, um total de 30 mil imóveis.
“Para você ter uma ideia, em 2022, foram regularizados menos de 300 imóveis. Em 2023, traçamos metas que a gente queria alcançar e alcançamos. Já passamos de quase 30 mil imóveis, regularizados. Se não, totalmente regularizados com entrega da certidão, mas já 25 mil documentos entregues e eu acho que próximo a 5 mil já para a finalização no cartório, já para entregar os documentos aos seus proprietários”, explica o juiz.
Destaque nacional
Esse salto deu ao Piauí um lugar de destaque em âmbito nacional. Durante a durante a Semana de Mobilização “Solo Seguro – Favela” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho deste ano, o TJ-PI emitiu 4.875 registros de imóveis e apresentou o primeiro município 100% regularizado do Estado. Feito que chamou atenção. “O Piauí é um exemplo para todo o Brasil e esse episódio narrado no município de Guaribas, com 100% de regularização fundiária, eu acho que é o sonho de que podemos fazer isso no país inteiro”, destacou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, durante o evento.
Leonardo Brasileioro destaca os fatores que possibilitaram mais celeridade nos processo de regularização fundiária n o Piauí. “O que eu acho mais importante que o Tribunal fez, primeiro, foi ter chamado para ele a responsabilidade de ser o catalisador da política, seguindo a orientação do Conselho Nacional de Justiça. A partir desse momento, criando e estruturando o programa Regularizar, utilizando tecnologia, atualizando seus normativos e, principalmente, dialogando com todos os atores que fazem parte da regularização fundiária. Eu acho que isso é o mais inovador e por isso que a gente vem sendo exemplo para todo o país e transformando a realidade da irregularidade aqui no nosso estado”, afirma.
Hoje, ainda temos municípios com quase 100% de imóveis irregulares. Mas a notícia boa é que o Piauí é um dos poucos do país que hoje tem dois municípios com todos os imóveis regularizados e está prestes a entregar o terceiro. “Guaribas é modelo para todo o país, mas entregamos também, semana passada, outro município 100% regularizado, Nossa Senhora de Nazaré, aqui no norte do estado. Vamos entregar ainda este ano o município de Floresta do Piauí 100% regularizado. Então isso é algo que a gente vem conseguindo com a cooperação de todos, com o engajamento, com a participação de todos os atores que fazem a regularização fundiária para transformar essa realidade aqui no nosso estado do Piauí”, afirma o juiz Leonardo Brasileiro.
Para avançar: só regularizar, não basta
A regularização fundiária é uma porta para acesso a outros direitos básicos e fundamentais. No entanto, o impacto dela só é completo quando acompanhado de outras políticas públicas. Nos contextos urbanos, investimentos em saneamento, transporte, educação e saúde são essenciais para transformar áreas regularizadas em comunidades verdadeiramente integradas, promovendo cidadania plena e justiça social. Já nos contextos rurais, a regularização também precisa atuar de modo a garantir a integralidade dos direitos, sobretudo, quando falamos em territórios tradicionais, indígenas e quilombolas, como lembra o Defensor Público da União, Benoni Moreira.
“Embora não se desconheça o fato de ter ocorrido algumas titulações de territórios de comunidades tradicionais, na verdade essas titulações têm ocorrido de forma parcial, não abrangendo todo o território tradicionalmente ocupado pelas comunidades beneficiárias e, invariavelmente, em áreas que não despertam interesse territorial de grandes empreendimentos. Além disso, essas titulações, em muitos casos, têm sido apenas simbólicas, porque o estado do Piauí sequer providenciou o cancelamento das matrículas e registros nos respectivos cartórios de registro de imóveis, nem tampouco providenciou a retirada (desintrusão) das pessoas que ocupam essas áreas irregularmente e que não fazem parte das comunidades tradicionais afetadas (intrusos)”, afirma o Defensor Público.
A cacica Maria Francisca vai na mesma direção. Para ela, o avanço de uma política pública precisa ser feito de modo conjunto, senão, a solução de um problema pode criar outros tão graves quanto. “Quando eu falo na Funai, porque é onde tem povos indígenas. A presença da FUNAI nessas terras é muito importante, porque a gente não precisa só da terra, né? A gente precisa dos outros desenvolvimentos dentro do território, para trabalhar. Sempre tem trabalho para a FUNAI fazer dentro desses territórios. Então, por isso que eu digo que essas terras, mesmo que sejam tituladas pelo Governo do estado, mas com a presença da FUNAI trabalhando junto, é muito mais fácil para que possa dar continuidade”, afirma.
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Nesta reportagem, aprofundando o tema da regularização fundiária no Piauí, trouxemos uma polifonia de vozes que dão a dimensão desse problema, que é real, concreto e afeta a vida de milhares de pessoas em todo o estado. Mas o que todos os entrevistados nesta reportagem concordam é que precisamos avançar.
Seja nas Laranjeiras onde ainda não há demarcação da terra indígena, ou na Serra Grande onde o território foi demarcado há 3 anos; a luta é uma só: pela ampliação dos direitos aos povos originários. Seja nos mais de 850 mil imóveis irregulares no estado ou para os pouco mais de 4 mil lares de Guaribas, que hoje estão 100% regularizados, o desejo é que essa política avance.
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