A noite de quinta-feira do dia 3 de dezembro nunca será esquecida pela família dos Santos Nascimento. Para essa família, moradora do bairro São José na cidade de Parnaíba (PI), esse dia ainda não terminou como deveria. Durante o final da tarde, depois de sair do trabalho na loja Barbosa Gessos, o jovem Tawan dos Santos Nascimento decidiu não ir para casa jantar, ele queria aproveitar que havia saído um pouco mais cedo para buscar a namorada. Ele foi o mais rápido que pôde ao bairro vizinho, nas proximidades da Travessa Luis Correia, onde ela morava.
Naquela noite, sem nenhuma prova que o envolvesse em flagrante, Tawan foi preso e levado pelo 2º Batalhão da Polícia Militar sob a acusação de tráfico de drogas. Para a polícia, o jovem trabalhador negro era agora um criminoso.
Tawan engrossa hoje uma estatística cruel. Cerca de 63,7% da população carcerária brasileira é formada por pessoas negros, de acordo com Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Nosso sistema carcerário tem cor e classe. Hoje, são mais de 773 mil pessoas presas, mais pessoas que toda a população da nossa vizinha Guiana com seus 750 mil habitantes. Isso porque temos encarcerado muito e cada vez mais rápido. Somos hoje o terceiro país que mais aprisiona pessoas e nos últimos anos essas prisões em massa têm aumentado em uma velocidade maior que em qualquer outro país.
Comprove pelas notícias dos jornais nas páginas policiais que anunciam todos os dias: “bandido é preso em operação policial”. Certamente você já leu essa manchete ser repetida hoje. Porém existem balanços críticos que ficam fora das manchetes e não são mostrados na televisão. A verdade é que somos um país que encarcera mal e aprisiona pessoas inocentes com uma frequência desumana. São muitas as pessoas retratadas no jornal como criminosas em flagrante que na verdade são potenciais vítimas de uma abordagem policial equivocada.
A maior parte das prisões no Brasil são resultado de prisões preventivas (57% em todo o país) em que basta a voz de prisão da polícia e não existe necessidade de nenhuma outra prova para declarar a legalidade do flagrante. De acordo com a legislação processual penal, em 24 horas após a prisão em flagrante, a situação deve ser levada a uma audiência de custódia e cabe ao juiz ou juíza decidir pela manutenção ou não de uma prisão.
Uma documentação processual mal feita nesse momento pode converter uma prisão em flagrante em uma prisão preventiva sem previsão de tempo para acabar. E o réu pode ficar preso sem nenhuma previsão de ir a julgamento. Situações como a do Tawan.
Mas voltando a motivação do flagrante, essa pode ser a mais banal, como um reconhecimento errado por WhatsApp, pode ser forjada pela PM, pode ser o resultado da criminalização da pobreza. Muitas vezes basta ser pobre e estar no lugar errado. No Brasil a razão do cárcere tem sido quase sempre a cor da pele do suspeito. Hoje, de cada três presos, dois são negros.
A injustiça não é obra do acaso, mas sim do racismo
A injustiça que recai sobre Tawan não é obra do acaso. Negros e negras são amplamente enquadrados no perfil de suspeito padrão da polícia na sociedade racista que ainda vivemos. Se antes a polícia foi criada pelo governo para patrulhar e proteger patrimônio do senhorio branco no período da escravidão. Ela continua a praticar seu ofício prendendo e violentando mais os sujeitos negros, como mostram os dados que já mostramos.
.
A operação policial daquela noite no Mendonça Clark em Parnaíba prendeu dois homens, além de Tawan (19 anos), um homem identificado como Warton Adreollyl (32 anos), duas bicicletas, uma arma de Air Soft, uma pequena quantidade de drogas e uma pequena quantia de dinheiro.
.
Na imprensa a situação desenhada com fotos é a de que dois jovens eram traficantes vendendo drogas de bicicleta, tinham uma arma e dinheiro. A situação real, como relata do advogado da família, Marcelo Azevedo, é que durante a operação a Polícia Militar ao encontrar uma pequena quantidade de drogas na casa começou a apreender os objetos que entendiam fazer parte da operação. As bicicletas, a arma de ar não pertenciam a Tawan e Adreolly, mas a dona da residência e seu filho. O dinheiro apreendido era junção do todo encontrado na residência. Ainda assim, só duas pessoas foram presas e depois autuadas pelo delegado Rodrigo Mello.
Prisão sem provas e mobilização
Desde o dia 3 de dezembro a família de Tawan tem buscado apoio para provar que ele é inocente. O advogado Marcelo Azevedo, defende a reconsideração da prisão e explica: “o artigo 312 do código penal elenca uma série de requisitos para a manutenção da prisão, dentre eles, resguardar a ordem social. E não é o caso, é justamente a comunidade que se põe contra a prisão do Tawan. Então o fato dele estar preso é que ofende a ordem pública e não o contrário. É isso que eu vou tentar demonstrar amanhã para a juíza do caso. Pedir a ela que reconsidere a prisão. E esperamos conseguir o alvará de soltura.”
Além do flagrante sem provas, as violações de direitos de Tawan também estão sendo feitas pela televisão e alguns portais que têm noticiado a prisão. As notícias criminalizando Tawan também têm custado a saúde mental de sua família que decidiu enfrentar toda injustiça e busca provar a inocência do jovem.
A exposição indevida de pessoa e o desrespeito à presunção de inocência são as grandes fórmulas de fazer notícia das páginas policiais. No entanto, essa tradicional receita dos jornais é criminosa e contra a lei. São violações de direitos que não deveriam ocorrer com ninguém.
Desde o dia 7 de dezembro, com ajuda de familiares e de moradores do bairro São José a família têm postado no instagram @vozpelotawan vídeos com mensagens e apelos contando a história que a mídia de Parnaíba têm ignorado.
Abaixo transcrevemos algumas dessas mensagens e pedimos que você visite a página de Instagram e compartilhe:
Tatiane dos Santos, irmã de Tawan
Como de costume ele saia do trabalho, vinha para casa, ele banhava, ele jantava e depois ia buscar a namorada dele para trazer ele para cá. Só que no dia ele foi no encontro dela direto para lá, era mais perto e ele desceu logo. Foi pegar a namorada dele para trazer para cá. Nisso que ele tava lá ele foi pego. E agora está sendo posto, tá sendo julgado pela sociedade, que muitos não conhecem meu irmão. Por um lado eu entendo porque eles não conhecem meu irmão. Mas eu tô aqui para defender meu irmão. Tô aqui para dizer para aquelas pessoas que tão dizendo que ele é bandido que porque ele tava com aquelas pessoas ele também é igual. Não é assim. Meu irmão é uma pessoa boa. Meu irmão não anda com essas pessoas. Meu irmão estava no lugar errado na hora errada. Ele não merece isso.
Dona Fátima Sousa, moradora da Rua 2 de fevereiro no bairro São José
Bom, eu estou aqui fazendo um apelo porque eu quero que as minhas palavras sejam ouvidas pela juíza e que ela volte a dar uma olhada no processo desse menino. Para ver que como ele é um menino bom, decente, tem bons antecedentes, é trabalhador.
Dona Lucilene Gomes, moradora a 12 anos na mesma rua da família de Tawan
(…) sou uma senhora mãe e tenho um grande respeito pelo Tawan. Desde o dia do que aconteceu com o Tawan, meu coração de mãe tem sangrado ao ver os olhos da mãe dele chorar noite e dia por um rapaz gente boa. (…) Espero que a minha mensagem passe para as autoridades, que eu sou mãe e sei e digo com toda a sinceridade, o Tawan é um rapaz excelente, nunca se envolveu com nada errado.
Maria Monteiro da Silva, moradora do São José
Sou Maria Monteiro da Silva, sou moradora nesse bairro (São José) há 55 anos. Vi o nascimento de Tawan, o Tawan é um menino muito bom. A mãe dele sempre foi muito rígida com ele de nunca deixar ele fazer nada errado. O Tawan não é o que estão dizendo. Aqui no bairro São José não tem ninguém aqui que “diga” que Tawan é o que estão dizendo que ele é (na Televisão). Doeu muito dentro do meu coração quando eu vi o Tawan na televisão pegando uma taxa que ele não merece.
Dona Maria Celeste, uma das moradoras mais velhas do São José com 82 anos
Eu tô muito emocionada porque eu gosto muito dele. Ele é uma pessoa que não usa nada, não usa drogas, não bebe e nem fuma. Ele é um menino que respeita todo mundo, do maior ao mais pequeno. É de uma família pobre mas nunca teve nenhum vício e nem anda atrás dessas coisas. Pelo amor de deus tenha misericórdia dele. Eu tô sofrendo muito, não durmo mais.
Dona Fátima Veras, vizinha da família
Sou dona de casa, tenho um filho especial cadeirante. Onde eu ia o Tawan nos acompanhava, com meus filhos. Eu considero ele um filho. Nunca vi ele respondendo ninguém, nem fumando, nem bebendo em bar e nem em festa. O que ele saia era acompanhado de mim, do meu esposo, do meu filho. Ele é uma ótima pessoa. Ainda não tô acreditando o que está acontecendo com ele. Eu considero ele como meu filho. Ele sempre me ajudou com meu filho cadeirante.
Serlyane Gomes, familiar
Pelo amor de deus, ele é um rapaz trabalhador, eu conheço ele desde pequeno. Fomos criados todos juntos. E ele nunca teve vício nenhum, pelo contrário é um menino trabalhador, que estuda e que ajuda todo mundo. Tudo que a gente precisa ele está disposto ajudar. Isso que aconteceu com ele eu não acredito, ele é um menino muito trabalhador.
Dona Lúcia Araújo, moradora das ruas de cajazeiras
Eu conheço o Tawan das antigas, não é de agora. O que eu tenho a relatar é que ele é um menino muito bom que trabalha só para sustentar toda a família dele. Eu devo muitos favores a ele. Eu espero meu Senhor, ajude, que ele não merece estar lá não e que Deus toque no coração de alguém para ele sair de lá logo. Ele não merece estar lá não, ele vinha do serviço. Ele é um menino muito bom, ajuda toda a família.
Francisco de Assis, patrão do Tawan
Eu conheço o Tawan desde que ele nasceu. Inclusive o ajudo desde criança. Não o conheço como bandido, como traficante. Eu o conheço trabalhando com a gente.
Fernanda Sousa, madrinha de Tawan
Sou madrinha de batismo, conheço ele desde quando a minha “cumadre” e meu “cumpadre”/vieram morar aqui. Então conheço toda a vida deles. Ele principalmente, que é meu afilhado e tenho ele como filho de sangue. Infelizmente aconteceu esse acontecimento indesejado, mas ele é um rapaz bom que estava no local errado na hora errada.
Tiago Aranha, morador do bairro São José
Sou funcionário de revenda de carros, já fui vizinho de Tawan, moro no bairro São José. O meu conhecimento com ele é só de coisas boas. Um menino que não mexe com nada de errado. Não tem vício nenhum. E que estava no lugar errado, na hora errada. Na casa da namorada (que ele pouco frequentava).
Reportagem: Joana Darc Corrêa
Edição coletiva: Ocorre Diário
Fotos/vídeos: Perfil Voz Pelo Tawan
Deixe um comentário