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Seminário “Cerrado, te queremos vivo” publica Carta em defesa do Cerrado


Cerrado, te queremos vivo!

A carta que pulicamos a baixo é fruto das reflexões e debates promovidos pelo Seminário “Cerrado, te queremos vivo”, realizado nos dias 20 e 21 de janeiro de 2023, que contou com participação de 15 comunidades e territórios impactados pela agronégocio na região do MATOPIBA. O evento foi organizado pela Rede Ambiental do Piauí – REAPI, Plataforma Ocorre Diário e Fórum Carajás. 

O desmatamento no Cerrado vem mostrando que o Bioma vai colapsar. A destruição promovida pelo Agronegócio está descontrolada e se não parar urgentemente, a segurança hídrica do País estará ameaçada. Números atuais revelam que 50% da mata nativa do Cerrado foi retirada para dar lugar a monoculturas e pastagens e nem mesmo as áreas úmidas foram poupadas, colocando em risco os rios perenes que nascem no Bioma e abastecem oito Bacias Hidrográficas, entre elas a do Rio Parnaíba.

Os dados mais recentes do IPEA (Instituto de Pesquisa da Amazônia) mostram que o desmatamento e as mudanças climáticas, são dois  problemas indissociáveis e que vem desencadeando um cenário de falência, principalmente na região denominada MATOPIBA  (siglas dos estados do Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí). O mesmo estudo, realizado entre 2021 e 2022, mostra que o Piauí e o Maranhão bateram o recorde de desmatamento concentrado na área, com percentual de 73%.

Se não houvesse a conivência dos governos dos dois Estados, o cenário certamente não seria tão caótico. Infelizmente, os últimos governos do Piauí e Maranhão têm olhado para o Cerrado apenas como área de grande potencial para produtividades de grãos como soja, algodão e milho, transformados em commodities agrícolas para gerar lucro ao mercado financeiro. 

A exploração do Cerrado começou a ser incentivada pelo Governo na década de 80 e com a criação do “Plano de Desenvolvimento Agropecuário – PDA-MATOPIBA”, em 2015. Para a região, o processo acelerou e hoje se cumulam violação de direitos humanos, com a expropriação de terras por empresas transnacionais e nacionais, que se dá pela grilagem com o apoio de órgãos públicos que permite e dá sustentação a formação de milícias fortemente armadas para expulsar as comunidades tradicionais que ali estão desde seus antepassados.

Em junho de 2022 o Tribunal Permanente dos Povos – TPP, atendendo petição da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, julgou e chegou ao veredito que está havendo crime de ecocídio contra o Cerrado e genocídio de seus povos. Considerou o Tribunal que, se nada for feito para impedir a devastação nos próximos anos, o bioma será extinto (ecocídio) e as comunidades formadas por quilombolas, indigenas e populações tradicionais estão condenadas ao genocídio.

Os relatos das investigações do TPP sobre os atingidos no Piauí e Maranhão revelam que as violações de direitos humanos são graves, até mesmo tentativas de apagar suas histórias, suas culturas e tradições. O juri apontou  como responsável pelos crimes de ecocídio e genocídio o Estado Brasileiro, entes nacionais, Estados estrangeiros, organizações internacionais e agentes privados, como empresas transnacionais e fundos de investimentos.

Queremos mostrar que o risco de perdemos o Bioma é grande,  sem o equilíbrio ambiental a perda de biodiversidade leva a indisponibilidade de água e sem ela os habitats deixam de existir. Portanto, é urgente pedir uma moratória para o desmatamento no Cerrado, por 20 anos, sem conceder autorização para desmate em solo do Bioma.

Um dos aspectos mais negligenciados nessa catastrófica ocupação do Cerrado brasileiro é a questão do impacto causado à saúde humana. Essa é mais uma externalidade “negativa”, cujo prejuízo é pago pela população, seja com sua saúde, seja com o dinheiro dos seus impostos. Levando em consideração a definição de saúde dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que a mesma é um direito constitucional (Art. 196), o que vemos é uma clara violação desse direito humano básico, perpetrada pelo Estado, nos seus três níveis de governo.

Já está fartamente documentado na literatura científica nacional e internacional, a relação entre a exposição aos agrotóxicos e seus impactos negativos à saúde, indo muito além da intoxicação aguda, levando ou não a óbito. As evidências científicas mostram que a exposição crônica aos agrotóxicos pode levar a transtornos na saúde, desde problemas reprodutivos como infertilidade, abortamentos e partos prematuro, passando por distúrbios endócrinos como puberdade precoce, obesidade e disfunção tireoidiana. Há casos de doenças neurológicas como quadros demenciais, doenças neurodegenerativas e cânceres de todas os tipos.

A lista não para por aqui. Todos os órgãos e sistemas do corpo podem ser afetados por esses produtos, produzindo todo tipo de distúrbio, o que não causa estranheza, posto que os mesmos são venenos que tem sua origem na química de guerra e que estamos expostos a um coquetel desses venenos durante toda a vida, desde o útero, se mantendo no aleitamento materno com leite contaminado e seguindo assim ao longo de toda a vida.

A narrativa do vazio demográfico e o apagamento dos povos do cerrados

Hoje, como há 500 anos, as estratégias do poder econômico parecem ser as mesmas: territórios invadidos sobre a justificativa de uma ausência de pessoas habitando as regiões. A construção de uma narrativa de “vazio demográfico”, ou seja, de que as terras do cerrado são quase inabitadas, é o que vem justificando e legitimando a expansão do agronegócio sobre a região, inclusive, no MATOPIBA.

Parte de um mesmo projeto colonial, responsável pelo apagamento de inúmeros povos originários e comunidades tradicionais, essa narrativa se sustenta, sobretudo, em outra narrativa: a do desenvolvimento. Assim, subjugam os saberes e culturas populares, tratadas como atrasadas, para justificar a importância de se apropriarem dos territórios e, dessa forma, promover o tão sonhado “desenvolvimento”. Na gama incessante pela expansão das terras agricultáveis, vão se apagando histórias, memórias, culturas e sabedores dos povos originários dessa terra. 

O Cerrado é território indígena e quilombola! Por lá, são mais de 216 terras indígenas (TIs) e 83 diferentes etnias, que somam uma população indígena de aproximadamente 100 mil habitantes. São 44 territórios quilombolas e 13 tipos de comunidades tradicionais não indígenas, que fornecem um testemunho vivo da rica tradição de convivência humana com a natureza.

Embora esses territórios sejam protegidos por lei, as dificuldades de regularização fundiário tem facilitado os processos de grilagem e expropriação de terras na região do Cerrado. As comunidades, cada vez mais, expostas às ameaças, assédios, invasões, violência física e psíquicas.

Parafraseando o Ministro da Igualdade Racial, Silvio de Almeida, os povos do Cerrado existem e são importantes para nós! Os povos do Cerrado são guardiões das florestas e das águas; defensores da fauna e da vida; protetores do planeta. Proteger e garantir condições dignas de vida aos povos do Cerrado é, por consequência, proteger e garantir condições de vida para todos nós!

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