Energia Renovável, pra quem? Essa foi uma pergunta que movimentou boa parte das discussões do Seminário Energias Renováveis no Piauí – por uma transição energética com justiça socioambiental, realizado na última sexta-feira (22), pelo Grupo de Trabalho (GT) de Energias Renováveis do Piauí. O evento teve como objetivo alertar a sociedade sobre as violações dos direitos das populações atingidas pelos projetos de energias renováveis no Piauí, além dos impactos ambientais e econômicos desses projetos. Reuniu pescadores e trabalhadores rurais do litoral e do sertão do Piauí, que narraram suas histórias e evidenciaram o quanto estão sofrendo com a exploração do vento e do sol em seus territórios.
Os relatos dos atingidos revelam o quanto as empresas eólicas e solares estão destruindo a natureza e violando os direitos humanos. Na parte da manhã, o Professor João Paulo Centella, doutor em geografia humana e professor da UESPI, trouxe uma geografia sobre a ocupação detalhada das usinas de exploração no Estado, seus impactos e ainda as violações dos direitos sociais adquiridos na justiça. De acordo com ele, há uma previsão de que, até 2023, pelo menos 58 usinas eólicas e 446 usinas solares estejam em funcionamento no Piauí, com uma capacidade de geração de 23,1Gibawats.
“Alguns fatores colocam o Brasil e o Piauí, em especial, como lugares geográficos estratégicos para produção dessas energias. Por isso o mundo está girando seus olhos para o Piauí e grandes multinacionais já estão instaladas aqui”, afirma o professor.
Os atingidos no litoral, representado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras Astesanais (MPP) revelaram os impactos que esse modelo de transição energética trouxe, meramente exploratório. “É uma transação energética e não transição”, disse um deles na mesa de discussão, onde também se ouviu frases como “é uma produção por meio de energias limpas com muitos negócios sujos”; “é um novo coronelismo batizado de verde”; “hoje, já existem os filhos do vento”, este último, se referindo à invasão de homens que chegam às pequenas cidades para trabalhar como mão de obra pesada e partem rapidamente, tão logo erguem as estruturas.
No Quilombo Serra dos Rafaéis, no município de Simões, a jovem Dorinha Nonato, ao explicar como é difícil morar próximo aos aerogeradores e seus cata-ventos gigantes, comparou como se fosse “um avião que nunca decola”, se referindo ao barulho ininterrupto das torres aprisionando o vento. No Quilombo, apesar dos estragos, a união da comunidade consegue avançar em algumas conquistas a que têm direito, geralmente negados, a exemplo da elaboração do Protocolo de Consulta Prévia e Informada, que foi um marco para a luta das comunidades atingidas.
Em Caldeirão Grande, a representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marcolândia, Jucilene Lopes, disse que na região da Chapada do Araripe, abrangendo os municípios de Simões, Caldeirão Grande e Marcolândia, o desmatamento aumentou significamente com os projetos de energias renováveis e com ele, a diminuição da produção de mandioca, principal atividade econômica dos agricultores familiares. Ela comentou ainda sobre o incômodo do barulho das hélices, “quando você chega às comunidades, você se assusta com o barulho e depois de algum tempo você vai se acostumando”, disse ao informar que foi procurada por pessoas de Caldeirão Grande se queixando com problema de audição.
Ao final houve ainda a apresentação do MAR – Movimento dos Atingidos e Atingidas pelas Renováveis. A professora da UFDPar, Carolina Ribeiro, falou do movimento que ainda está em desenvolvimento, mas já agrega diversas comunidades na região nordeste, onde estão concentrados os principais projetos de renováveis do Brasil. O seminário resultou no fortalecimento e ampliação do GT de Energias Renováveis, que em julho deve realizar um novo encontro, dessa vez no litoral do estado, para debater os aspectos específicos das comunidades pesqueiras e ribeirinhas.
Comments (1)
Glória Sandessays:
26 de março de 2024 at 10:30 AMAcompanhei a luta do dxs moradores do Quilombo dos Macacos, que usou como estratégia de pressão sobre a municipalidade a ocupacão da escola local. Nós da Frente Popular de Mulheres Contra o Feminicídio nos integramos à luta. Duas companheiras nossas, a Madalena e a Rose, se deslocaram para a comunidade para, juntxs , participarem de audiência com o prefeito do município, após muitas tentativas da comunidade de obter resposta efetiva por parte das autoridares qto ao funcionamento da escola do quilombo, para a qual a comunidade exigia padrões de ensino relegados pela municipalidade.