No início da manhã de ontem (19), quando a Equatorial Piauí, municiada com o aparato policial do Estado, chegou para cortar o fornecimento de energia das 500 famílias que vivem na Ocupação Lindalva Soares, zona norte de Teresina, a realidade encontrada foi a mesma de outras 32.000 famílias teresinenses que se tornaram parte dos números do déficit habitacional do município.
A ação de hoje é mais exemplo da incapacidade do poder público em avançar no atendimento à demanda por moradia digna, reagindo à luta dos movimentos populares pelo Direito à Moradia com a negação de outros direitos.
Em resistência, no fim da tarde do dia 19 de agosto, os moradores organizaram um ato fechando a avenida Poty velho em protesto pelo Direito à Moradia.
A moradia que não chega a quem precisa em Teresina
Nesta terceira década do século XXI vivemos nossa maior urgência por condições saudáveis de habitação. A atual crise sanitária que nos demanda isolamento e a autoproteção no lar, nos atenta para o fato de que Direito à Moradia vai muito além da posse de uma unidade habitacional com “quatro paredes e um teto”. No pleno Direito à Moradia a casa é o bem fundamental para exercício da dignidade humana e alcance dos outros direitos constitucionais à saúde, educação, alimentação saudável, transporte, trabalho etc. O Direito à Cidade só é possível através da moradia digna.
Atualmente os números dão conta de 32.243 famílias teresinenses sem teto (2018)¹ na cidade. Esses números oficiais revelam os poucos avanços no enfrentamento ao déficit habitacional em comparação com o fim do século passado quando, segundo o III Censo de Vilas e Favelas (1999), registrou uma população de 133.857 habitantes vivendo em ocupações irregulares e aproximadamente outras 30 mil famílias sem moradia própria.²
Nessa época, nos métodos dos movimentos populares, 3.000 pessoas fizeram a histórica marcha na zona sul de Teresina que fundou a 2ª maior ocupação urbana da América Latina: a Vila Irmã Dulce. Lutar vale a pena!
Em Teresina, a produção da moradia, apesar dos avanços de Programas como o Minha Casa Minha Vida, seguiu a lógica da casa como mercadoria, sujeita às regras do mercado imobiliário, construída nos terrenos mais baratos das periferias, desprovida de serviços e infraestrutura básica, e muitas vezes utilizada como barganha política ou moeda de troca, o que, em grande medida, foi responsável por acirrar as problemáticas urbanas que convivemos hoje.
“Parem de construir casas para resolver a falta de moradia”. É esse o lema do movimento popular pela moradia que denuncia a inoperância do poder público pública de enfrentar a verdadeira problemática da habitação: hoje no Brasil existem mais casas abandonadas, servindo de especulação ao mercado imobiliário, que famílias sem moradia.
A realidade dessas contradiçõe se multiplica pelas periferias de Teresina. Como no caso da ocupação Lindalva Soares, na zona norte, separados apenas pela avenida Poty Velho, os moradores da ocupação observam do outro lado a construção de um dos maiores conjuntos habitacionais em obra hoje na capital: o Parque Brasil, com 1.022 unidades habitacionais.
As casas erguidas pelo poder público não são para atender as famílias que de fato necessitam. Na verdade a execução dessas casas representam a conclusão de mais uma etapa de um outro processo de violação do Direito à Moradia: a remoção forçada de habitantes da região das lagoas do norte, as quais deverão ser transferidas para o Residencial Parque Brasil.
Enquanto morar for um privilégio Ocupar é um direito!
O termo “ocupação” se refere a um instrumento popular de acesso à moradia, alcançado por meio da tomada coletiva de um terreno ocioso para a autoconstrução de moradias. Essa atitude das famílias sem teto visa fazer valer a chamada Função Social da Propriedade – presente nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal e no Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) – e que garante o direito à posse da terra à quem deseja utilizá-la para alcance da dignidade da pessoa humana.
¹ Tese: PASSOS, Talita Kelly de Sousa. O Trabalho Social em empreendimentos do Programa Minha casa Minha Vida (PMCMV): avaliando a operacionalização e os resultados no município de Teresina – Piauí. UFPI, 2018.
² Façanha, Antônio Cardoso. A evolução urbana de Teresina: presente, passado, e… UFPI, 2003.
Texto: Luan Rusvell / arquiteto urbanista / Movimento popular pelo Direito à Cidade
Comments (1)
Natalia silvasays:
5 de novembro de 2020 at 12:27 PMMostra a verdade de agora se nos ganhamos ou nao se o prefeito conseguiu as terras ou nao