Press ESC to close

TIMONEGRA : Carmen Kemoly fala sobre seu livro-reportagem e sobre o 13 de maio

Na manhã desta quinta-feira, 13 de  maio de 2021, com o peso de refletir sobre a falsa abolição diante de cenas como a chacina do Jacarezinho, a pesquisadora negra, rapper, poeta, timonense Carmen Kemoly, fala de seu livro-reportagem “Timonegra – Vida e Cultura em Comunidades Negras de Timon” e sobre a importância de que os povos negros conheçam sua história. Na ocasião, Reginaldo Costa, quilombola da comunidade Monteiro, referência para a construção do livro, também compartilhou seus conhecimentos no Webnário promovido pela Prefeitura de Timon, através da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. 

O evento reuniu além de militantes dos movimentos sociais, representantes de instituições públicas locais tais como CMEI Professora Roseana Maria Martins de Lima, CREAS Timon, NAE Semed, SCFV Flores Timon, Defensoria Pública do Estado do Maranhão, Ministério Público do Maranhão, Gerência de Proteção Social – SEMDES, 11º Batalhão da Polícia Militar.

Na trajetória de pesquisa e militância, Kemoly traz uma reflexão sobre as falsas abolições “Porque ainda somos a cor da pobreza? Somos 67% de moradores nas periferias. 63% das pessoas desempregadas e apenas 0,4% do empresariado”, diz Carmen sobre indagações que perpassam seu caminho de pesquisa. 

O livro conta sobre história e modo de viver de três comunidades negras de Timon: O Quilombo Monteiro, localizado na zona rural da cidade; o povoado ribeirinho Piranhas, localizado na divisa com Teresina nas margens do Rio Parnaíba; e ainda o terreiro da Mãe Baiana, a Tenda Santa Joana Dar’c, localizada na Vila do Bec, extremo sul da cidade. A secretária de Direitos Humanos, Aldeneyde Sousa, chegou a dizer que o livro se torna um “patrimônio da cidade”.

Riquezas ancestrais 

Pajeú, Monteiro, Buriti do Meio, Sucuruju, São Miguel, Santa Maria, Verissimo, Viva Deus, Campo Alegre e outras são comunidades autodeclaradas quilombolas de Timon, mas apenas a comunidade de Monteiro possui a certificação pela Fundação Palmares, segundo Kemoly. Ela acrescenta que essas comunidades estão em volta do Monteiro e são filhas dessa comunidade, destacando a importância delas para a história e fortalecimento da ancestralidade local e ao mesmo tempo revelando o descaso do poder público em reconhecer os quilombolas e seus direitos. 

A pesquisa que gera Timonegra é autobiográfica, resultado de travessias feitas entre 2014 e 2016 e localiza o Maranhão e Timon no contexto geral do processo de escravização e seus desdobramentos até aqui. Além de trazer um rico contexto dos povos negros em Timon e Maranhão, a pesquisadora, jornalista e artista, aponta também questões sobre a comunicação, tais como a importância da cidade possuir TVs comunitárias para dizer em seu nome e propagar suas diversidades. Traz também questionamento e reflexão sobre a falta de implementação da Lei Nº 10.639/2003 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.

Pondo seus dotes de MC na roda, Carmen abriu a conversa com as rimas de seu EP. Confere aí a somzeira:

https://www.youtube.com/watch?v=yjsFKSXnaCw&ab_channel=CarmenKemoly (Faixa que integra o EP intitulado ‘KARMA’)

Mídia: Qual a referência vocês tem sobre as pessoas pretas em Timon? 

E quais são suas motivações? Certamente muitas, onde as conexões com sua gente se fortalece a cada passo. Mas ela destaca um deles: 

“O que os veículos de comunicação falam sobre as comunidades de Timon? Quando pensamos em Timon na Televisão, qual foi a última notícia que vocês ouviram, se não foi de algum assalto ou algum negro sendo exposto? Quem são as referências de pessoas pretas de Timon na televisão? De não-referência a gente está esgotado. Esgotades de ver pessoas sendo subalternizadas. Então pensei que precisamos visibilizar essas pessoas de alguma forma, para que Timon seja reconhecida como uma cidade Cultura”, revela Carmen sobre suas motivações. 

Durante sua pesquisa/vivência a forte cultura de sua gente ia se revelando: “Bumba meu Boi, Cacuriá (que é muito falada no Pará, mas que também existia no Povoado Piranhas), Dança da Emília, da Peneira, Reisado, Tambor de Crioula e tantas outras. Mas hoje a grande maioria dessas expressões culturais foram morrendo, por conta das pessoas mais velhas que iam morrendo. Tudo isso precisa de incentivo, porque sabemos que só pela auto organização muitas vezes não vai”, apontando a necessidade de políticas públicas que fortaleçam essa cultura. 


Capa do livro da piranhense Carmen Kemoly.

Conexões e caminhadas de pesquisa 

A pesquisa, autobiográfica de Kemoly, que tem suas raízes ancestrais no Quilombo Monteiro, iniciou na Universidade Estadual do Piauí, como conclusão do curso de Jornalismo, mas atravessou fronteiras. Virou dissertação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde se tornou mestra e hoje está se gestando uma Tese na Universidade  Federal da Bahia (UFBA), onde cursa doutorado. 

Carmen comenta sobre sua pesquisa de mestrado pela UFRJ, intitulada “Revide Negro: a comunicação originária através do corpo quilombola e a trajetória da raça de Canuto em Timon-MA” e rememora seus ancestrais tataravós “Canuto dos Santos e Maria Januária”, originários da Comunidade Quilombola Monteiro, e últimas pessoas que se tem notícia no local. Além disso, ela reforça a importância de se construir uma cartografia e da necessidade de juntar todos os trabalhos escritos sobre a cultura dos povos negros de Timon.

Falas em roda:

Durante o evento militantes de movimentos negros enriqueceram o momento. Confira algumas falas. 

“ Falar de minha raiz… Percebo que a história do negro não é contada pelo próprio negro. Me sinto realizado por ver a história do meu povo ser contada por alguém como a prima Kemoly”, disse Reginaldo.  E acrescenta:  “Não sei contar toda a  história de minha bisavó, o que temos são memórias e aqui agradeço e ressalto a importância de contar histórias de outras das nossas comunidades, só tenho que agradecer os compartilhamentos que a prima Kemoly já fez”.

“ eu não sou Moreninha, Eu sou uma Mulher Negra e me reconheço com tal, e eu como professora preciso ser referência para os meus alunos. Eu passei a não burlar mais a minha cor. No serviço público você recebe mães e pais negros que por trás deles carregam muitas situações que precisam de acolhimento”, trouxe a professora da rede pública de Timon, Alda Raquel. E remenda “Finalizo relembrando que quando estamos fragilizadas não vamos pra lugar nenhum e o povo negro esteve muito fragilizado”.

Lúcia Oliveira, liderança comunitária na comunidade Boa Esperança, fez a conexão do Povoado ribeirinho Piranhas e a comunidade da Boa Esperança, afetada e prejudicada pelo Programa Lagoas do Norte entendendo, “que as fronteiras são criadas pelos colonizadores e que as práticas ligam os territórios. E o 13 de maio é uma construção diária de muita resistência”, disse a ativista relembrando que apenas o Rio Paranaíba separa as duas comunidades.

Raízes de um nome

Antes de se chamar Timon, em meados da década de 1940, a cidade era chamada de Flores e possuiu outros nomes. Um deles foi o de São José das Cajazeiras. Em 1852, com a transferência da capital do Piauí de Oeiras para Teresina, foi construído um porto na região, apelidado de Porto das Cajazeiras pelas muitas cajazeiras agoadas pelas margens do Rio Parnaíba.

Ilustração de Valmir Macedo

Além de estar ligado ao cenário e ao imaginário local, o nome da árvore também tem um significado espiritual, como conta Carmen em seu livro:

“Além de ser flora certa nessa região, a cajazeira é a principal árvore sagrada do Tambor de Mina, nome dado à religião de origem africana no Maranhão. O termo ‘mina’ foi o nome dado aos africanos vindos para o Brasil do principal mercado de escravos português, localizado no Forte de São Jorge da Mina (Elmina), na Costa do Ouro”, explica Carmen Kemoly em Timonegra, no capítulo “De que povo viemos”. 

Matéria colaborativa realizada por: Stennyo Dyego S. Rocha, Sarah F. Santos, Milena Rocha, Valmir Macedo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo