Casos como esses contribuem para que apenas 0,2% da população trans tenha acesso ao ensino superior; ambiente universitário segue reforçando estereótipos e negando existências trans
Não é nenhuma novidade dizer que as universidades brasileiras há muito tempo reforçam e refletem os estereótipos que demarcam as políticas de exclusão do nosso país. As políticas afirmativas começaram sua inserção na educação superior quase meio século depois da invasão europeia ao nosso continente e ainda assim, em 2021, suas marcas históricas seguem afastando jovens negros e periféricos dos espaços acadêmicos.
O desabafo da estudante de jornalismo Ayra Dias, publicado em seu perfil do Instagram, durou pouco mais de oito minutos, mas demostrou o peso de mais de 500 anos de exclusão dos corpos negros e trans latino-americanos. Mesmo com Leis Federais e Resoluções Internas, a estudante relata que demorou mais seis meses para conseguir ter seu nome social respeitado pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI.
“Quando fiz minha inscrição na universidade, após ter sido aprovada no ENEM, não tive meu nome social aceito, que não foi inserido no Portal do Aluno. Ele só foi depois de seis meses. A negação do uso do nome social significa morte, assassinato. Porque a negação das nossas existências é a negação das nossas identidades, a negação de quem nos é… simboliza a nossa morte.”, afirma Ayra Dias.
Vale salientar que desde 2014 há uma resolução que permite o uso do nome social da UESPI, mas ainda assim estudantes enfrentam dificuldades para que a universidade cumpra as normas que ela mesma criou. “Porque não há o menor interesse da Universidade de ser aquilo que ela propaga partir de um discurso falacioso de inclusão”, diz a estudante.
A ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais defende a construção de uma política de cotas e reservas de vagas destinadas em universidades públicas para o acesso da população de travestis, mulheres e homens trans, transmasculinos e demais pessoas trans.
“A fim de garantir o acesso à universidade e a construção cientifica por pessoas trans que tem sido prejudicada historicamente devido ao processo de apagamento social da sua identidade e expressão de gênero, que tem expulsado nossos corpos dos bancos escolares e impossibilitando a chegada ao ambiente acadêmico, ou ainda àquelas que mesmo tendo conseguido entrar na universidade, encontram dificuldades motivadas por sua condição para a continuidade, devido a fatores sociais e situação de vulnerabilidade, que se encontram para cotas na pós-graduação”, explica a nota publicada no site oficial da entidade.
O reflexo dessa exclusão histórica é que de acordo com informações sobre a situação educacional das pessoas trans, estima-se que cerca de 70% não concluiu o ensino médio e que apenas 0,02% encontram-se no ensino superior. Ayra sabe bem dessa realidade, por ser a única estudante trans da sua turma e, muito provavelmente, do seu curso.
“Não podemos permitir que a universo seja um espaço destinada a uma maioria branca, cis-gênera, de classe média, sem deficiência. Esse tem saído o retrato da universidade por muito tempo, resultando no processo que conhecemos como epistêmico. Porque eles não nos concedem espaço. Eu enquanto travestir vou lutar por minha permanência, porem é cansativo ter que lutar todos os dias por um direito básico que é educação. Mas essa não deve ser minha única luta. Eu tenho eu está na universidade e tenho que lutar por outras coisas. Mas infelizmente, a universidade tem compactuado com essa estrutura racistas, transfóbica e elitista. Não podemos compactuar com isso. Essa não pode ser a cara da universidade”, finaliza Ayra.
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