
Redação Ocorre Diário
A cada 10 dias, uma mulher é assassinada no Piauí. Enquanto os números evidenciam uma escalada da violência, as ações práticas do poder público parecem não surtir efeito, isto é, quando existem. Há cerca de 10 dias, uma Audiência Pública convocada na Assembleia Legislativa do Piauí foi espelho de uma realidade onde gestores públicos têm dado as costas para as mulheres, literalmente. Dos 30 parlamentares da casa, apenas 3 compareceram. Um descaso, que se soma ao ínfimo orçamento da SEMPI (Secretaria de Estado das Mulheres) do Piauí, em 2025, o menor dentre todas as secretarias.
O Piauí foi o estado brasileiro com o maior aumento nos casos de feminicídio entre 2023 e 2024. A informação está no Mapa da Segurança Pública de 2025, divulgado nesta quarta-feira (11) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Outro dado alarmante está no relatório Elas Vivem: um caminho de luta, divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança, revelou que o Piauí ocupa o segundo lugar entre os estados com maiores índices de violência contra a mulher, com 7,22 casos por 100 mil habitantes e aumento de 17,8% nas agressões.
Nos últimos 4 anos, entre 2022 e 2025, 182 casos foram registrados no estado. Somente nos três primeiros meses deste ano, 18 mulheres já foram assassinadas por violência de gênero, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública. Diante de números alarmantes e vidas interrompidas, a pergunta que fica é: quanto vale a vida de uma mulher? Pelo que mostra o orçamento do Piauí para o ano de 2025, vale menos de 3 centavos a cada 100 reais investidos pelo estado.
O governo do Estado do Piauí destinou à Secretaria de Estado das Mulheres — principal pasta responsável por ações de enfrentamento à violência e promoção de políticas de gênero — um orçamento de apenas R$5.651.507,00 em 2025. O valor é o menor dentre todas as secretarias e representa apenas 0,0244% do total da receita estadual, que ultrapassa R$23 bilhões.
É também o menor dentre as capitais do nordeste que especificam seus investimentos em secretarias voltadas para políticas públicas para mulheres. O Governo do Ceará destinou em 2025, um montante de R$29.906.564,00, a Paraíba deve investir R$61 milhões e Pernambuco R$85 milhões. Enquanto isso, os estados de Alagoas, Maranhão, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte não deixam claro qual será o valor destinado ao orçamento público. O Estado da Paraíba, com investimento de R$ 61 mi, aplicada em políticas para mulheres um orçamento quase 11 vezes maior que o Piauí (R$ 5,65 mi).
“As leis e os serviços já existem. Mas a falta de estrutura, de pessoal e de recursos financeiros fragiliza toda a rede. A vida das mulheres está em jogo, e isso não pode ser tratado como uma pauta decorativa”, afirma a pesquisadora em gênero e socióloga Marcela Castro. “As mulheres das zonas rurais e municípios afastados continuam sem acesso aos serviços. Além disso, mesmo após a denúncia, há demora na liberação das medidas protetivas e sobrecarga dos juizados.”

O texto da LDO 2025 (Lei de Diretrizes Orçamentárias) apresenta uma série de metas importantes: fortalecimento da autonomia feminina, enfrentamento à violência, promoção de igualdade de gênero e acesso ao mercado de trabalho. Mas, na prática, essas promessas não se sustentam quando confrontadas com o orçamento real.
A Rede de Observatórios da Segurança destaca a necessidade de fortalecer as políticas públicas de enfrentamento à violência, maior investimento nos serviços desenvolvidos pela Rede de Atendimento, ações e parcerias de conscientização masculina, divulgar os serviços e ações desenvolvidas pela Casa da Mulher Brasileira e descentralizar as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) 24h nos bairros, em especial aos finais de semana. “Muitas mulheres não conseguem chegar à Central de Flagrante de Gênero, seja pela dificuldade de mobilidade urbana, condição econômica, fragilidade emocional e/ou ausência de uma rede de apoio”, destacou o documento elaborado pelas pesquisadoras Lila Cristina Xavier Luz, Maria D’Alva Macedo Ferreira e Marcela Castro Barbosa.
Silêncio no Parlamento: a ausência gritante do poder público

A escalada de violência às mulheres no Piauí foi tema de uma audiência pública realizada no dia 30 de maio, na Assembleia Legislativa do Piauí. A sessão, convocada pela deputada Elisângela Moura (PCdoB) teve como objetivo promover o debate sobre políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher, além de mobilizar a comunidade para o enfrentamento desse grave problema social.
“Além disso, também discutimos sobre estratégias eficazes de acolhimento e proteção às mulheres em situação de violência e combate à impunidade desses agressores. Precisamos dar um basta a qualquer tipo de violência contra as mulheres, principalmente a violência no campo, que muitas vezes são silenciadas, para que as vítimas não virem mais um número nessa triste estatística”, afirmou a deputada em suas redes sociais.
Mas o debate, que deveria mobilizar as bancadas, foi ignorado por 27 parlamentares. Apenas três deputados compareceram: Franzé Silva (PT), Gracinha Mão Santa (PP) e Elisângela Moura (PCdoB). O restante justificou com agendas externas, problemas de saúde ou, em muitos casos, simplesmente se calou diante do tema.
Vidas negligenciadas
A situação de abandono atinge principalmente as mulheres das zonas rurais, periferias e comunidades tradicionais, para quem o acesso a transporte, acolhimento psicológico e assistência jurídica é ainda mais precário.
“A violência é contínua, e a ausência do poder público também. Essa desigualdade na aplicação das políticas agrava ainda mais o ciclo da violência. Precisamos de ações permanentes, e não de campanhas pontuais ou promessas que se perdem nos papéis da burocracia”, finaliza Marcela Castro.
No Piauí, onde a carência por justiça e segurança é visível nas estatísticas e nos relatos cotidianos, a ausência do poder público ecoa como cumplicidade.
Orçamento para mulheres ainda é pouco transparente no Brasil
(Publicada por Agência Pública)
Para este ano, o governo prevê R$ 277 milhões em gastos exclusivos para mulheres. Isto é, ações específicas que beneficiam apenas esse público, que podem estar dentro do Ministério das Mulheres ou não. Fora isso, existem iniciativas, como o Bolsa Família, que são contabilizadas dentro dos gastos não exclusivos, pois beneficiam mulheres e outros públicos.
Dentro dos R$ 277 milhões, há gastos com enfrentamento da violência contra a mulher e financiamento de serviços como o 180, que é o canal de denúncias, por exemplo. Esse valor ainda pode ser alterado, porque a Lei Orçamentária Anual (LOA) – que contém a programação de todas as despesas públicas e a previsão do dinheiro que vai pagar isso – ainda vai ser votada no Congresso Nacional. A previsão é que isso aconteça na primeira quinzena de março.
Boa parte do orçamento para mulheres previsto para 2025 – mais de 70% dele – vem das chamadas emendas parlamentares, que é quando deputados e senadores indicam o uso de reservas do orçamento para atender a uma questão específica. Isso é ruim porque dificulta a continuidade das políticas públicas, na opinião da deputada federal e professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP), já que os parlamentares podem mudar de opinião sobre o que é prioridade. As emendas podem variar ano a ano e dependem da articulação política, não apenas das necessidades da população. “A consequência imediata é a dificuldade de fazer políticas de longa duração”, disse ela em uma audiência no Senado sobre o tema, em 12 de fevereiro deste ano.
Por outro lado, nessa mesma audiência, ela comemorou um aumento de 36% no orçamento das mulheres do ano passado para cá. As chamadas despesas discricionárias, ou seja, que não são obrigatórias e podem ser desfeitas pelo governo, chegam a R$ 143,7 milhões para este ano; eram R$ 92,1 milhões no ano passado. O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2023 previa R$ 135,7 milhões para as ações focadas na mulher, segundo informou por nota o Ministério do Desenvolvimento e Planejamento. O Ministério das Mulheres foi procurado, mas não respondeu à reportagem.
Acontece que, mesmo com o aumento do valor este ano, a deputada considerou que a previsão pode não ser suficiente. “Tem que perceber se o orçamento tá de acordo com o nosso desafio. Se não tem recursos para elaboração e implementação de políticas públicas, a gente não consegue mudar as realidades”, disse na audiência.

O que falta para o Brasil avançar nas políticas para mulheres?
(Publicada por Agência Pública)
O relatório “A Mulher no Orçamento”, do governo federal, publicado no ano passado com dados de 2023, mostra que 94,5% dos gastos que beneficiaram as mulheres naquele ano, nos orçamentos fiscal e da seguridade social, estavam em duas categorias: “Proteção Social” e “Saúde Integral da Mulher”. Esses gastos se traduzem em acesso a serviços públicos como maternidades e atendimentos do SUS, por exemplo.
Saber se o dinheiro que o governo pretende gastar será suficiente ou não para o Brasil avançar nesses quesitos ou em outros problemas como a prevenção dos feminicídios, por exemplo, que aumentaram no ano passado, chegando a 1,4 mil vítimas no país, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, é complexo. Envolve um debate sobre “ações interseccionais”, ou seja, aquelas que incluem mais de uma agenda, para além das mulheres, como questões raciais, por exemplo.
Uma nota técnica da Rede Orçamento Mulher, publicada em setembro do ano passado, diz que, se forem consideradas somente as ações orçamentárias para mulheres, o valor previsto para este ano cai. Mas, de uma forma transversal, incluindo essas outras agendas, ele aumenta. “Os gastos em que as mulheres são beneficiárias exclusivas e não exclusivas no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] 2025 correspondem a R$ 451,2 bilhões”, diz o texto.
As ações que envolvem mais de uma agenda podem, segundo a nota, “em muitos casos, compensar as aparentes reduções orçamentárias […] Assim, é essencial que as políticas públicas continuem a avançar na direção de um planejamento orçamentário que reconheça e atenda às múltiplas dimensões das desigualdades sociais”, completa.
Com informações de Agência Pública
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