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Vicentina, estrela de luz, encantou

Texto-suspiro: Luan Matheus, Carmem Kemoly, Gustavo Leite

Chegou nesse mundo em uma sexta-feira de Eclipse Solar. Nasceu junto de um evento raro, como seria sua própria existência. Assim como a lua, que no dia 26 de janeiro de 1990 passou entre o sol e a terra para formar um anel de luz e fazer um espetáculo no céu, Vicente de Paula iniciou sua jornada como uma pessoa predestinada a habilidades extraordinárias. Foi um acontecimento. Raro!

Comunicador, artista visual, performer, educador, assessor popular, bailarino, cantor, ator, realizador audiovisual. Vicente, Vince, Vicentyna, Cabrita da Peste, Bixanika… Era muitas em uma só. Tão grande, que não coube um corpo adoecido e frágil. Nas primeiras horas de hoje (19/05) seu corpo descansou e sua alma agora ilumina nossas existências com a alegria e o sorriso que é sua marca inesquecível.

Assim, fez sua grande travessia. Foi daquele jeitinho só dela: cheia de cor, rodeada de amor e amigues, ouvindo as músicas que ela amava. E a gente fica aqui com o coração apertado, mas também pulsando forte de gratidão — porque conhecer a Vince foi uma daquelas sortes que a vida dá de vez em quando, tipo eclipse solar em um céu de janeiro.

Prosperytchy, sempre! Vicente via sempre além do que poderíamos alcançar, por isso também desejava sempre prosperidade. Ensinou para muita gente o valor dessa palavra, não só a que enche bolso, mas a que enche alma. A que vem em forma de abraço, de presença, de palavras bonitas, de estar junto de verdade, d a n ç a n d o  a vida. Era dessas que fazia a rotina virar poesia, mesmo nos dias mais duros. Uma amiga que chegava com luz, espalhava alegria e partia deixando mais amor do que encontrou.

Trajetória, travessia, encantamento

Sócia-fundadore da plataforma Ocorre Diário, travamos grandes lutas pelo Brasil ainda enquanto ENECOS (Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social). Vicente fez um reboliço na nossa linguagem. Nos ensinou a não ter medo da estética do feio e do erro, porque os padrões que ditam o que é bonito e feio não cabiam em nossas vidas. E o erro, o que era isso mesmo? Ele não sabia. E tudo que Vince tocava transbordava uma beleza única, singular. Nos ensinou também a não ter medo de nos apropriar das técnicas e tecnologias que estão ao nosso alcance, mesmo que pareçamos estar em outro tempo. Talvez nossa estética tenha o ritmo da temporalidade latina-americana, onde insistimos em andarilhar nas trilhas da criatividade.

Pesquisador, teorizou o cú e inventou palavras diversas para transcender o mundo. Não gostava de nada como estava, queria reinventar! Irrecuperável, lhe escreveram. Em 2021 defendeu sua dissertação de mestrado, pela Universidade de Brasília (UNB), onde abordou os “Desdobramentos de imagens contra-hegemônicas do cu na contemporaneidade”. Iniciou em 2023 seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena, na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), investigando o sexual, ancestral e territorial e suas confluências entre as margens anticoloniais do Piranhão.

Nas elaborações teóricas, muitas vezes foi incompreendida, como são as mentes geniais. Se dedicou à pesquisas sobre imaginários, performances, registros e territorialidades de corpos dissidentes, dedicando atenção especial à memória e ancestralidades relacionadas às trajetórias LGBTQIA+ relacionadas à música popular brasileira, comunidades tradicionais (ribeirinhas, rurais e quilombolas) e na cultura popular.

Multiartista, pintava a vida com a coragem de uma lagarta colorida que nunca quis ser só borboleta — queria ser cosmos, festa, riso, purpurina grudada na pele e no peito. Pitava as “alegrias de uma calcinha”, com arte-desaforo, com uma revolução desenhada na ponta do lapís. Questionava o patriarcado, o grande capital, o machismo e LGBTfobia. Celebrava as existências plurais, os corpos dissidentes, o mundo em sua mais profunda diversidade.

Desse olhar, criou como poucos. Em 2023, ganhou, junto com Matheus Mendes, o prêmio de melhor curta com o filme “Jeniffer”, no Festival Internacional de Cinema Agroecológico – FICAEco. Vince atuou com a direção de arte e roteiro do filme. 

Foi à Cuba trocar saberes, fez residência artística em Portugal, Vicentina era internacionalista. Criadora, deu vida às Bixanikas junto ao coreógrafo e bailarino quilombola Valdemar Santos (Nego Val). Juntes, encataram vários palcos, de Brasília ao Rio de Janeiro, de Timon  à Amarante. Aliás, em Amarante, Vince viveu como melhor quis. Junto à Nego Val, criaram a Casarão Cultural e realizaram inúmeras atividades de arte e cultura com a sociedade amarantina. Banho de rio, canto, dança, audiovisual, risos, senhoras amigas e bem viver.]

Atualmente residia no Espírito Santo prestando assessoria técnica independente para comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, no ano de 2015. Inquieto, insurgente e como artista, Vicente provocou profundas reflexões nos modos de pensar a cultura e questões de sexualidade e de gênero.  

Vicentina também nos pediu: “não sejamos rígidas”, ele implorava, com o corpo, o rebolado e a alegria característica, dela! Ela não queria saber de bafafá, aliás, ela só queria saber de bafafá!! Inteligentíssima, questionadora, desobediente. Uma verdadeira Xaninha, e como criou! Vicente jamais poderia estar sob a Terra sofrendo qualquer tipo de intempérie. Decidiram ir voar livres, balançadas pelo vento da eternidade. Voa, passarinha. Sua Maria Mulambo está recolhendo todas as fotos e registros que você deixou espalhadas em nós, profundamente. Por aqui, prometemos seguir com muita música, nunca esquecer a arte e a cultura, e distribuir seu legado por todos os cantos, CUrando o mundo. Tentando aCUdir as irmãs, CUidando da nossa sociedade doente, com CUrativos de amor. Te amamos irmã, brilhe eternamente e novamente você nos ensina sobre a VIDA.

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