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Violência institucional, descaso e negligência marcam julgamentos de feminicídios no Piauí

Aconteceria hoje (17/08), em Teresina e em Floriano, dois julgamentos de feminicídio que poderiam dar uma lição exemplar a um cenário de total insegurança e desprezo pela vida das mulheres, em especial, das mulheres negras. Janaína Bezerra e Renata Costa, duas jovens mulheres negras, assassinadas em um dos estados que mais mata mulheres no país. Somente neste ano, 48 mulheres já foram mortas no estado, 39,5% delas, por feminicídio. É como se uma mulher tivesse sido assassinada a cada 11 dias no Piauí, pelo único fato de ser mulher.

O que deveria ser uma resposta pública da justiça piauiense a esses números alarmantes, se transformou em mais dor, sofrimento e violência institucional para as famílias. Os dois julgamentos foram adiados, com um agravante maior no caso de Janaína. “Hoje, nós estamos indo embora em razão da insuficiência de jurados, mas esperamos todos aqui no dia primeiro de setembro, com o mesmo grito, a mesma voz para dar à Janaína a justiça devida. Mais uma vez a UFPI falha com a Janaína a não contactar seus funcionários e nós temos que nos fazer presentes para que a violência que janaúba sofreu, mesmo viva e após sua morte, não seja em vão”, afirmou Florence Rosa, advogada criminal, integrante da Advocacia Popular de Minas Gerais e assistente de acusação no caso Janaína.

Florence Rosa e Zanone Júnior, advogados criminalistas e assistentes de acusação do caso. Foto: Arquivo Pessoal.

Não bastasse isso, no caso da Janaína, o Tribunal de Justiça também promoveu ações de restrições que levam ainda mais dor e sofrimento à família. A decisão do TJ foi em manter o julgamento fechado apenas para advogados, testemunhas e depoentes, limitando o acesso público, da imprensa e, inclusive, da família. Embora o caso corra em segredo de justiça, o julgamento deveria, segundo os advogados do caso, atender ao direito constitucional da publicidade (art. 5º , LX , e 93 , IX , da CRFB), que alcança os autos do processo e as sessões e audiências. “Eles falaram que não pode entrar e não pode ter baderna aqui, porque pode cancelar o julgamento. Mas o que a gente quer é continuar”, afirma a mãe de Janaína, Maria do Socorro.

A professora Lucineide Barros, da Frente de Mulheres contra o Feminicídio, participou do ato público que precedeu o julgamento. Segundo ela, parece haver uma certa articulação para desviar o foco do processo e fazer com que o julgamento não aconteça. “Fomos comunicadas do adiantamento. A informação que se tem, a partir da advogada que teve acesso, é que o julgamento foi adiado por falta de quórum e que faltaram 12 pessoas. Essas 12 pessoas, segundo informação que temos, estavam sob responsabilidade da UFPI notificá-las. O que é outra coisa muito estranha. Porque a nossa compreensão é que essas pessoas deveriam ter sido notificadas diretamente, porque esse atalho de esperar a UFPI fazer isso? Então tem muitas questões estranhas, que precisam ser explicadas”, afirma.

Lucineide Barros, ao centro, com cartaz amarelo, durante Ato da Frente de Mulheres contra o Feminicídio.

A Frente de Mulheres Contra o Feminicídio e demais movimentos precedentes no fórum seguiram para a Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde buscam uma resposta mais concreta da reitoria da instituição sobre essa ausência de notificação. “Tivemos uma audiência com o reitor e, tanto ele quanto demais representantes da administração superior, informaram que houve um problema na tramitação do processo, que chegou à UFPI para que ela comunicasse às pessoas, mas esse comunicado não foi feito. Eles não explicam que problema foi esse. Mas as pessoas não foram notificadas. Eles assumiram isso abertamente”, afirma Lucineide Barros.

Procuramos o Tribunal de Justiça, mas até o momento da publicação desta reportagem, não obtivemos resposta quanto aos casos.

Os casos em julgamento

RENATA Costa , 29 anos, natural de Nazaré do Piauí, trabalhadora rural, mãe de duas crianças, uma com necessidades especiais, foi assassinada pelo ex-marido, Francisco das Chagas Pereira. Desapareceu no dia 28 de dezembro de 2020 e foi declarada morta somente no dia 24 de março de 2021. Quando foi encontrada, às margens de uma estrada, provavelmente um mês depois de desaparecida. O feminicida e ocultação do cadáver, Francisco das Chagas, é ex-vereador conhecido e sua prisão preventiva só aconteceu pela forte comoção social.

JANAÍNA Bezerra, 22 anos, estudante de Jornalismo , foi assassinada num recinto da Universidade Federal do Piauí. O feminicida Thyago Mayson, também estudante, entregou o seu corpo a seguranças da UFPI na manhã do dia 28 de janeiro de 2023. A perícia comprova que ele quebrou o pescoço da vítima e a estuprou depois de morta. Está preso, acusado de feminicídio, estupro, vilipêndio de cadáver e fraude processual.

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