Conversamos com o realizador independente sobre processos, percepções artísticas e o itinerário da obra fora da web
Texto: Natanael Alencar
Fotos: Conceição de Maria
A websérie Yolanda fez parte da 22ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes/MG, realizada ao longo de 18-26 de janeiro. Esse ano a mostra sensibilizou-se, abrindo-se para manifestações experimentais, como a videodança, motivo pelo qual quatro episódios de Yolanda foram selecionados pela curadora Thembi Rosa e exibidos na especial Mostra Corpo a Corpo, dedicado à videoarte. Yolanda estará presente também na mostra À Nordeste que deve ocorrer em abril deste ano com exposição no Sesc 24 de Maio, no centrão de São Paulo. A mostra se desenvolve ao redor da pergunta “à nordeste de quê?” e apresenta um olhar crítico sobre a história da nossa região.
Concebida por Sayara Elielson Pacheco, a série foi ao ar de 2 de setembro a 23 de dezembro no Youtube e concomitantemente divulgada no O CORRE DIÁRIO, num total de 16 episódios. O formato de série, bem como outros elementos, baseiam-se em modelos difundidos de distribuição de conteúdo, como a Netflix, mas com subversão de alguns moldes, visto que empenha uma narrativa não convencional e existe uma relativa autonomia dos episódios.
A dança, para Sayara “conta histórias através da sensorialidade, ativando outros tipos de percepção” e é algo que sempre interessou o artista. Para ela a dança abre portas das possibilidades do corpo e Yolanda, enquanto experimento, foi pensado como algo que perturba, desafia códigos e convenções.
Yolanda trata-se também de exercício de partilha, resultado que emerge num contexto de investigações, reflexões, incômodos e de uma leitura crítica de si e dos acontecimentos. Em Yolanda o sentido é deliberadamente aberto: um convite para o pensamento do outro acrescentar o seu quinhão de subjetividade. “Quando você entra pelo buraco da fechadura”, algo que acontece após o trecho de abertura dos episódios, “é convidado para poder ver um lugar íntimo, para ser meio voyeur dessa pessoa, da Yolanda, do Elielson, da Sayara”, descreve a artista. Destacando a permanência da própria existência humana, a criadora concebe “Yolanda como um território de multiplicidade e nela existe também a potência de ter sido vários outros e continuar sendo – é uma forma de valorizar a permeabilidade dos encontros com as pessoas”.
Gravada com câmera de celular e editada por ela mesma, os elementos técnicos, contudo, não são centrais para a realização de sua obra mais recente. Na perspectiva da artista esses elementos devem a todo custo permitir a vazão dos impulsos da criação: “a forma que se vê o mundo e de entrar em contato com as coisas é o mais importante”, reflete. É um elemento que, no caso de Yolanda, toma relevo pela precariedade – ela, contudo, é estetizada, colocada como tanto condição quanto potencial.
Entretanto, os recursos são pensados pela autora da websérie não apenas em seu aspecto técnico, mas partem tanto de suas experiências artísticas anteriores (um recurso da expertise artística) quanto dos vínculos e dos afetos (recursos afetivos). “Ao trabalhar com a tia Conceição” – ela assina a filmagem da maioria dos episódios de Yolanda – “era mais importante o fato dela estar estimulada pelo que eu estava pensando e criando do que necessariamente ela ter habilidade com a câmera – isso era o mais valioso”, comenta Sayara.
Sayara Elielson enxerga Yolanda não como personagem, mas como um território potente que poetiza o cotidiano, o doméstico, o íntimo e onde os fragmentos de sua trajetória são reencenados. É também um lugar de desejos, de experimentação de linguagens que marcam os 20 anos que ele começou a trabalhar com e estudar arte. A vibração inicial para a websérie começou a ser despertada quando Sayara flertou com formas de produzir arte “não nos moldes que se esperam, nem nas instituições que tornam mais fácil reconhecer que a arte está sendo produzida”, bem como ao ser atravessado por uma maneira de pensar arte ligada ao fazer político – fruto de vinculações a ações, coletivos e iniciativas políticas na cidade de Teresina.
Segundo Sayara, “nesses tempos fascistas o artista é acompanhado pelo espectro do vagabundo. O lugar importante do artista, que cada vez mais a sociedade precisa entender: que essas pessoas são necessárias”. Trabalhando com matérias primas imateriais, os artistas “criam sentidos que podem ser compartilhados – que as pessoa possam ver, perceber e sentir. Que possam pensar nas suas questões, complementar e também colocar suas vivências”, afirma.
O universo de Yolanda não possui cantos arredondados, mas é cheio de farpas. É cheio de máscaras que ela troca, destrói, despreza. Há algo selvagem que revolta-se com julgamentos, foge ao primeiro badalar de definições. Yolanda fragmenta-se, torna-se alienígena, flertando com o não estruturado e perpetra em sua audiência que tenta decifrá-la golpes de violência conceitual. Assistir Yolanda é perceber o eco de Isadora Duncan que certa vez disse: “Não, não consigo explicar a dança para você; se você pode dizer o que significa, então não haveria razão de dançá-la”.
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